Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 928943, com repercussão geral (Tema 914), pela validade da ampliação da incidência da Cide-Tecnologia.
Por maioria, a Corte entendeu que não é necessário que as empresas contribuintes pertençam ao setor que será beneficiado pela contribuição, desde que a arrecadação seja integralmente destinada à ciência e tecnologia.
Essa decisão afeta diretamente empresas que realizam remessas financeiras ao exterior, como pagamentos de royalties, serviços técnicos e contratos de transferência de tecnologia, consolidando a constitucionalidade das alterações legislativas de 2001 e 2007.
O que é a Cide-Tecnologia?
A Cide-Tecnologia foi instituída pela Lei nº 10.168/2000 como uma contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE).
Seu objetivo principal é estimular o desenvolvimento tecnológico no Brasil, financiando:
- Programas de pesquisa científica;
- Projetos de inovação tecnológica;
- Cooperação entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo.
Alterações legislativas e ampliação da base de incidência
Originalmente, a Cide-Tecnologia incidia apenas sobre contratos de transferência de tecnologia com o exterior.
Com as alterações posteriores, a contribuição passou a abranger:
- Lei nº 10.332/2001 – inclusão de royalties decorrentes de atividades de qualquer natureza, inclusive direitos autorais.
- Lei nº 11.452/2007 – ampliação para serviços técnicos e administrativos prestados por não residentes no Brasil.
Essas mudanças geraram debates jurídicos sobre a amplitude da cobrança.
O julgamento do STF
Questão central
O ponto em discussão era: a Cide-Tecnologia pode incidir sobre qualquer remessa ao exterior, mesmo que o contribuinte não atue no setor tecnológico?
Posição vencedora (maioria)
Seguindo o voto do ministro Flávio Dino, o STF decidiu que:
- A Constituição não exige correlação entre fato gerador e área beneficiada.
- O essencial é que a destinação dos recursos seja integralmente para ciência e tecnologia.
- A ampliação foi uma opção consciente de política econômica, acompanhada da redução da alíquota do IRRF sobre remessas.
Ministros que acompanharam:
Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Posição minoritária (relator Luiz Fux)
Para Fux e os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, a Cide-Tecnologia deveria se restringir a negócios de importação de tecnologia, não abrangendo serviços diversos como:
- Direitos autorais (ex.: softwares sem transferência de tecnologia);
- Serviços de advocacia;
- Serviços administrativos gerais.
Caso concreto analisado
O recurso foi interposto pela Scania Latin America Ltda., contra decisão do TRF-3 que admitiu a cobrança da Cide sobre remessas ao exterior em contrato de cost sharing (compartilhamento de custos) firmado com a matriz na Suécia.
O STF manteve a decisão, reconhecendo a legitimidade da incidência.
Tese de repercussão geral fixada
O Supremo estabeleceu a seguinte tese:
I – É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, instituída e disciplinada pela Lei nº 10.168/2000, com as alterações empreendidas pelas Leis nºs 10.332/2001 e 11.452/2007.
II – A arrecadação da CIDE deve ser integralmente aplicada em ciência e tecnologia, nos termos da lei.
Impactos da decisão
1. Para empresas contribuintes
- Confirma a ampla incidência da Cide-Tecnologia sobre diversas remessas.
- Reduz o espaço para questionamentos judiciais sobre a constitucionalidade.
- Reforça a necessidade de planejamento tributário internacional.
2. Para a União
- Segurança jurídica na arrecadação.
- Fortalecimento do financiamento de programas de inovação.
- Maior previsibilidade fiscal para ciência e tecnologia.
3. Para o sistema de inovação
- Garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados à área de pesquisa.
- Maior integração entre universidades, centros de pesquisa e empresas.
Relação entre fato gerador e destinação
Um dos pontos centrais do julgamento foi a separação entre fato gerador e destinação da contribuição.
O STF reafirmou que, nas contribuições de intervenção no domínio econômico:
- O fato gerador pode recair sobre qualquer atividade econômica;
- O que importa é a finalidade da arrecadação, que deve respeitar a lei e a Constituição.
Divergências doutrinárias
A decisão consolida o entendimento de que não há exigência de vinculação estrita entre a atividade tributada e o setor beneficiado.
No entanto, parte da doutrina ainda critica essa visão, argumentando que:
- Pode haver descompasso entre contribuinte e beneficiário;
- A ampliação excessiva da base pode distorcer o conceito de CIDE;
- Seria necessária maior delimitação legislativa para evitar insegurança.
Conclusão
A decisão do STF sobre a Cide-Tecnologia representa um marco no Direito Tributário brasileiro.
Ao validar a ampliação da incidência, a Corte:
- Reforçou a autonomia do legislador em definir a política econômica;
- Estabeleceu que a destinação integral dos recursos à ciência e tecnologia é o elemento essencial para sua constitucionalidade;
- Consolidou a segurança jurídica para a União e para o setor de inovação.
Por outro lado, empresas que realizam remessas ao exterior devem estar atentas às obrigações tributárias decorrentes dessa interpretação, ajustando seus contratos e planejamentos fiscais.