A decisão da 3ª Vara Federal de Porto Alegre, que indeferiu o pedido de nulidade de uma multa aplicada a um condutor autuado pessoalmente, reforça importantes aspectos legais relacionados ao direito de defesa em infrações de trânsito. No caso, o motorista questionava a validade da penalidade, argumentando que não foi devidamente notificado da infração, mesmo tendo sido abordado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Neste artigo, vamos detalhar os fundamentos dessa decisão, explicar o contexto jurídico e apresentar os impactos práticos para condutores e proprietários de veículos em situações semelhantes.
O Caso: A Recusa ao Teste do Bafômetro e a Multa Aplicada
O autor da ação, um engenheiro, foi autuado em 2019 por se recusar a realizar o teste do bafômetro durante uma abordagem da PRF. A multa foi registrada no auto de infração de trânsito, mas o condutor recusou-se a assiná-lo. Posteriormente, as notificações foram enviadas à locadora de veículos, proprietária do automóvel alugado, e não diretamente ao condutor.
O engenheiro alegou que a ausência de notificação pessoal violava seu direito de defesa e, com isso, requereu a nulidade da penalidade. Contudo, o juiz federal Fábio Dutra Lucarelli indeferiu o pedido, com base nos seguintes argumentos:
- O autor foi autuado pessoalmente durante a abordagem, o que configura ciência inequívoca da infração.
- À época dos fatos (2019), o regramento vigente não obrigava a notificação simultânea do condutor e do proprietário do veículo.
- A tese firmada em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) só se aplica às infrações cometidas após 20 de maio de 2021.
Fundamentação Jurídica: A Ciência da Infração Pelo Condutor
Notificação Pessoal Dispensa Notificações Adicionais
A legislação brasileira prevê que, em casos de autuação presencial, a notificação pessoal do condutor na abordagem é suficiente para garantir sua ciência sobre a infração, dispensando o envio de outras notificações. O artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determina que:
- Parágrafo 4º: Caso o condutor seja abordado e receba o auto de infração, isso caracteriza ciência imediata.
- Artigo 282: A imposição de penalidade depende de notificação ao infrator, mas o ato de abordagem cumpre esse requisito.
No caso em questão, a recusa do condutor em assinar o auto de infração não invalida a abordagem, pois ele foi informado verbalmente da infração e das penalidades associadas.
IRDR e a Notificação de Penalidade
O magistrado também destacou que o IRDR do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou que a notificação de imposição de penalidade (NIP) deve ser enviada tanto ao proprietário do veículo quanto ao condutor, quando forem pessoas distintas. Contudo, essa tese só se aplica a infrações cometidas após 20/05/2021, ou seja, não retroage para autuações anteriores, como no caso analisado.
O Impacto da Recusa ao Teste do Bafômetro
A recusa ao teste do bafômetro é uma infração grave, prevista no artigo 165-A do CTB, sujeitando o condutor às seguintes penalidades:
- Multa gravíssima (10 vezes o valor base): Atualmente R$ 2.934,70.
- Suspensão da CNH por 12 meses.
- Recolhimento da CNH e retenção do veículo, caso necessário.
A Importância do Teste do Bafômetro
O juiz federal enfatizou que a recusa ao teste de alcoolemia prejudica o objetivo central da legislação de trânsito: prevenir acidentes causados por condutores alcoolizados. A embriaguez ao volante é um dos principais fatores de risco no trânsito, responsável por grande parte das mortes em rodovias.
Análise da Decisão Judicial
Argumentos do Autor
O autor fundamentou sua demanda na ausência de notificação direta da penalidade, alegando violação ao direito de defesa. Para ele, o envio das notificações à locadora de veículos, proprietária do carro, o privou de contestar a infração dentro do prazo legal.
Fundamentação do Magistrado
O juiz federal Fábio Dutra Lucarelli rejeitou o pedido, destacando que:
- O autor foi pessoalmente autuado, o que caracteriza ciência inequívoca da infração.
- À época dos fatos, a legislação não exigia notificação simultânea ao proprietário e ao condutor.
- A recusa ao teste do bafômetro, por si só, já configura infração gravíssima, prevista no CTB.
Além disso, o magistrado reforçou que não houve cerceamento de defesa, pois o autor teve oportunidade de contestar a penalidade nos embargos administrativos.
Comparativo: Infrações Antes e Depois do IRDR
Aspecto | Antes do IRDR (até 20/05/2021) | Depois do IRDR (após 20/05/2021) |
---|---|---|
Notificação do condutor e proprietário | Apenas o proprietário era notificado. | Ambos devem ser notificados. |
Autuação pessoal do condutor | Considerada ciência inequívoca. | Permanece válida, mas exige notificação adicional ao proprietário. |
Prazo para questionamento da infração | Contava a partir da notificação ao proprietário. | Contará para ambos (proprietário e condutor). |
Implicações Práticas da Decisão
Para os Condutores
Os condutores devem estar atentos ao fato de que a autuação pessoal durante uma abordagem elimina a possibilidade de alegar desconhecimento da infração. Isso reforça a importância de cumprir as determinações das autoridades de trânsito, incluindo a realização do teste do bafômetro, quando solicitado.
Para os Proprietários de Veículos
Empresas de locação de veículos, frequentemente proprietárias dos automóveis envolvidos em infrações, devem comunicar imediatamente os condutores sobre notificações recebidas, evitando complicações administrativas e legais.
Perguntas Frequentes
1. A autuação presencial dispensa a notificação posterior?
Sim. Quando o condutor é autuado pessoalmente, a ciência da infração está configurada no momento da abordagem, dispensando notificações adicionais.
2. A recusa ao bafômetro é considerada infração, mesmo sem comprovação de embriaguez?
Sim. A recusa ao teste do bafômetro é uma infração autônoma, prevista no artigo 165-A do CTB, independentemente da comprovação de embriaguez.
3. Como funciona o IRDR do TRF4 para infrações de trânsito?
O IRDR determina que, para infrações cometidas após 20/05/2021, a notificação deve ser enviada tanto ao proprietário quanto ao condutor do veículo.
Conclusão
A decisão da 3ª Vara Federal de Porto Alegre reafirma a importância da autuação pessoal como meio de garantir a ciência da infração pelo condutor, especialmente em casos de recusa ao teste do bafômetro. Embora a tese do IRDR estabeleça novas regras para notificações em infrações ocorridas após 2021, o caso analisado segue o regramento vigente à época, reafirmando a legalidade da penalidade aplicada.
Essa decisão reforça a necessidade de condutores e proprietários de veículos compreenderem as normas de trânsito e manterem uma postura colaborativa durante abordagens. Além disso, destaca a relevância do teste de alcoolemia como instrumento para garantir a segurança nas rodovias brasileiras.