O que é o direito real de habitação?
O direito real de habitação é uma garantia jurídica assegurada ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, prevista no artigo 1.831 do Código Civil e no artigo 7º da Lei nº 9.278/1996. Trata-se de um direito vitalício e personalíssimo, que permite a permanência do sobrevivente no imóvel que servia de residência da família, mesmo após o falecimento do outro.
Esse instituto visa proteger não apenas a moradia, mas também a estabilidade emocional e social da pessoa que enfrenta o luto, evitando que o trauma da perda seja agravado pelo desenraizamento do lar.
Fundamentos legais do direito real de habitação
O artigo 1.831 do Código Civil dispõe:
“Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”
Já o artigo 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/1996 complementa esse direito, estendendo-o também às uniões estáveis.
Essas normas refletem o valor constitucional da moradia (artigo 6º da Constituição Federal) e da proteção da família (artigo 226 da CF).
Decisão do STJ: o caso em análise
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou recentemente que o direito real de habitação impede não apenas a cobrança de aluguel pelo uso exclusivo do imóvel, mas também a extinção do condomínio e a alienação judicial do bem.
No caso julgado:
- A filha de um falecido ajuizou ação de extinção de condomínio e cobrança de aluguéis contra a viúva e outros filhos.
- A discussão envolvia dois imóveis (um urbano e outro rural).
- O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o direito de habitação da viúva no imóvel urbano, mas entendeu que isso não impediria a extinção do condomínio.
O STJ, entretanto, reformou essa parte da decisão, consolidando o entendimento de que, enquanto perdurar o direito real de habitação, não é possível extinguir o condomínio nem vender o imóvel.
Motivos da decisão: fundamentos humanitários e sociais
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi:
- O direito real de habitação tem razões humanitárias e sociais, pois protege a família no momento de maior fragilidade emocional.
- O cônjuge sobrevivente deve ter assegurado seu direito de permanecer no imóvel, ainda que haja outros herdeiros.
- O trauma da perda do cônjuge não deve ser intensificado pela perda do lar.
Essa visão se alinha ao entendimento consolidado do STJ, que há anos reconhece a prevalência do direito à moradia e à dignidade da família sobre o direito patrimonial dos demais herdeiros.
Direito real de habitação x direito de propriedade
Um dos pontos mais relevantes do julgado é a ponderação entre o direito à propriedade (dos herdeiros) e o direito à moradia (do cônjuge sobrevivente).
O Código Civil, em seu artigo 1.414, prevê que quem exerce o direito real de habitação não deve pagar qualquer contraprestação pelo uso do imóvel.
Assim:
- O cônjuge sobrevivente pode residir no imóvel sem pagar aluguel.
- Os herdeiros não podem forçar a venda do imóvel.
- A proteção à família prevalece sobre a livre disposição patrimonial.
Limites do direito real de habitação
Embora seja um direito vitalício, o direito real de habitação possui algumas condições e limites:
- Aplica-se somente ao imóvel destinado à residência da família.
- O imóvel deve ser o único dessa natureza a inventariar.
- Não confere direito de propriedade, apenas de uso para moradia.
- É intransmissível e personalíssimo: cessa com a morte do cônjuge sobrevivente.
👉 Importante: mesmo que haja descendentes exclusivos do falecido, o cônjuge ou companheiro sobrevivente mantém o direito de habitação.
Reflexos práticos da decisão
A decisão do STJ tem impacto direto em inúmeros processos de inventário e partilha:
- Impedimento da extinção do condomínio: herdeiros não podem forçar a venda judicial do imóvel.
- Proteção da viúva ou viúvo: assegura permanência no lar, ainda que em conflito com outros herdeiros.
- Segurança jurídica: reforça precedentes que valorizam a moradia como direito fundamental.
Essa interpretação fortalece a proteção familiar, ainda que implique restrição parcial ao direito de propriedade.
Direito real de habitação e união estável
É importante destacar que o direito real de habitação também se aplica às uniões estáveis, conforme previsto na Lei nº 9.278/1996.
Assim, não apenas os cônjuges, mas também companheiros sobreviventes têm assegurado o direito de permanecer no lar da família, desde que preenchidos os requisitos legais.
Doutrina e jurisprudência
A doutrina jurídica especializada reforça que o direito real de habitação deve ser interpretado como instrumento de efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.
A jurisprudência do STJ já consolidou que:
- O registro em cartório não é condição para a validade do direito.
- O direito se sobrepõe a interesses patrimoniais dos demais herdeiros.
- É indevida a cobrança de aluguel pelo uso exclusivo do imóvel pelo cônjuge sobrevivente.
Conclusão
O direito real de habitação é uma das garantias mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro para assegurar a moradia do cônjuge ou companheiro sobrevivente.
A decisão do STJ reafirma que esse direito impede tanto a alienação quanto a extinção do condomínio do imóvel, garantindo proteção à família em situações de fragilidade.
Em síntese:
- O cônjuge sobrevivente pode permanecer no imóvel familiar até o fim da vida.
- Herdeiros não podem exigir aluguel ou forçar a venda judicial.
- A proteção à família prevalece sobre o direito patrimonial.
Trata-se de mais um passo na consolidação da jurisprudência brasileira em defesa da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à moradia.