Entenda o que decidiu o STJ e como isso afeta compradores
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou uma posição importante e, ao mesmo tempo, polêmica no direito imobiliário: a hipoteca prevalece sobre promessa de compra e venda não registrada. Em outras palavras, se você comprou um imóvel, mas não levou essa promessa ao registro de imóveis, pode perder o bem para uma hipoteca constituída posteriormente — desde que o credor seja um terceiro de boa-fé.
Neste artigo, vamos explicar detalhadamente o que significa essa decisão, quem ela afeta, quais os riscos envolvidos e como se proteger ao comprar um imóvel. Vamos também analisar a diferença entre o direito pessoal e o direito real, além de trazer uma tabela comparativa para facilitar o entendimento.
O caso analisado pelo STJ
A controvérsia julgada pela Quarta Turma do STJ envolveu a disputa sobre um imóvel comercial, cuja promessa de compra e venda não foi registrada. O bem acabou hipotecado a favor de uma imobiliária, que mais tarde buscou a execução da garantia em juízo.
Segundo os autos, uma compradora firmou, com o ex-cônjuge, um contrato particular de promessa de compra e venda em 2007. No entanto, o documento nunca foi levado ao registro de imóveis. Em 2009, a antiga proprietária hipotecou o mesmo imóvel em favor de uma imobiliária. A hipoteca foi regularmente registrada. Em 2018, ao consultar o cartório, a compradora descobriu a existência da hipoteca.
Por que a hipoteca prevalece sobre promessa de compra e venda?
O ponto central da decisão do STJ é a ausência de registro. Conforme o ministro relator Antonio Carlos Ferreira, a promessa de compra e venda sem registro não é eficaz contra terceiros, ou seja, não produz efeitos “erga omnes”. Trata-se apenas de um direito obrigacional — válido apenas entre as partes contratantes.
O STJ reforça que o direito real do comprador somente nasce com o registro da promessa, seja ela feita por escritura pública ou por contrato particular.
“Antes desse registro, existe apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes. Somente com o registro se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes).”
Portanto, mesmo que a promessa de compra e venda tenha sido assinada antes da hipoteca, sem o registro, ela não tem validade contra a imobiliária que hipotecou o imóvel em garantia.
Diferença entre direito pessoal e direito real
Direito pessoal
- Vincula apenas as partes do contrato;
- Não pode ser oposto a terceiros;
- Exemplo: promessa de compra e venda sem registro.
Direito real
- Produz efeitos contra todos (erga omnes);
- Garante posse e propriedade do bem;
- Exemplo: registro da compra no cartório de imóveis.
Tabela comparativa: promessa não registrada vs. hipoteca registrada
Promessa de compra e venda (sem registro) | Hipoteca registrada em cartório |
---|---|
Gera apenas direito pessoal | Gera direito real |
Não é oponível a terceiros | Tem efeitos contra todos |
Depende do registro para produzir efeitos | Já está registrada, com validade jurídica |
Não impede alienações posteriores | Impede a venda sem quitar a garantia |
O que diz a Súmula 308 do STJ?
Muitos tentaram aplicar a Súmula 308 do STJ a esse caso, que afirma:
“É oponível ao promitente comprador o contrato de abertura de crédito com garantia hipotecária celebrado entre a construtora e a instituição financeira, ainda que a promessa de compra e venda não esteja registrada.”
Contudo, o relator deixou claro que essa súmula aplica-se apenas a imóveis residenciais no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Como o caso envolvia imóvel comercial, a súmula foi considerada inaplicável.
Terceiro de boa-fé: quem é e por que importa?
A imobiliária que recebeu o imóvel como garantia não sabia da promessa de venda anterior e, portanto, é considerada terceira de boa-fé. Isso significa que ela:
- Agiu com base em registros públicos (que estavam corretos);
- Não tinha como saber da negociação anterior, já que não havia registro da promessa;
- Recebeu a hipoteca de forma válida e legítima.
A boa-fé é um princípio fundamental do direito. Quem age de boa-fé e confia nas informações do cartório não pode ser prejudicado por negócios que não foram tornados públicos por meio do registro.
Quais os riscos de não registrar a promessa de compra e venda?
Adquirir um imóvel sem registrar a promessa de compra e venda pode resultar em graves prejuízos:
- Perda do imóvel para um credor hipotecário;
- Dificuldade para comprovar a aquisição perante terceiros;
- Impossibilidade de registrar escritura definitiva posteriormente;
- Insegurança jurídica e risco de litígio.
Como se proteger em transações imobiliárias?
Para evitar surpresas desagradáveis como no caso acima, siga essas boas práticas:
1. Sempre registre a promessa de compra e venda
Leve o contrato ao Cartório de Registro de Imóveis. Isso garante validade contra terceiros e protege o comprador.
2. Faça uma busca atualizada no cartório
Antes de assinar qualquer contrato, solicite a matrícula atualizada do imóvel. Verifique se há hipotecas, penhoras ou qualquer ônus.
3. Exija a certidão negativa de ônus
Esse documento é essencial para comprovar que o imóvel está livre e desimpedido.
4. Consulte um advogado especializado
Imóveis envolvem valores altos e riscos jurídicos. A orientação de um profissional pode evitar prejuízos irreversíveis.
Conclusão: a hipoteca prevalece sobre promessa de compra e venda?
Sim, a hipoteca prevalece sobre promessa de compra e venda não registrada, segundo entendimento recente do STJ. Esse posicionamento reforça a importância do registro público como elemento constitutivo do direito real e fator essencial para garantir segurança jurídica nas transações imobiliárias.
Não basta comprar o imóvel — é necessário registrar.
A decisão alerta compradores e vendedores para os cuidados indispensáveis nas operações com bens imóveis. Afinal, no Brasil, quem não registra não é dono.