Por Bruno Braz, advogado – OAB/SP 505.715 – Coordenador da Ardanaz Advogados
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial n.º 2.091.765/SP, trouxe um marco importante para o direito condominial brasileiro. A Terceira Turma da Corte reconheceu a possibilidade de penhora de imóvel alienado fiduciariamente para quitação de dívida condominial. Essa mudança tem implicações diretas para síndicos, administradoras, advogados e moradores de condomínios em todo o país.
Entendendo a alienação fiduciária e a dívida condominial
Para compreender o impacto da decisão, é fundamental esclarecer dois conceitos centrais: alienação fiduciária e dívida condominial.
O que é alienação fiduciária?
A alienação fiduciária é um tipo de garantia utilizada, por exemplo, na aquisição de imóveis financiados. Ao firmar o contrato, o comprador torna-se posuidor direto, mas a propriedade formal do bem permanece com o banco ou instituição financeira (credor fiduciário) até que o financiamento seja quitado. Em termos simples, o imóvel fica “no nome do banco” até o fim do pagamento.
E o que é a dívida condominial?
As dívidas condominiais são aquelas referentes às despesas comuns de um edifício ou conjunto residencial — como manutenção, segurança, limpeza, energia elétrica de áreas comuns, entre outras. Tais obrigações são propter rem, ou seja, ligadas à coisa (ao imóvel) e não à pessoa. Isso significa que, independentemente de quem seja o proprietário, a obrigação de pagar a cota condominial acompanha o imóvel.
O caso julgado pelo STJ
No caso analisado, o condomínio ajuizou execução contra o proprietário inadimplente, solicitando a penhora do imóvel. O bem, no entanto, estava alienado fiduciariamente — ou seja, formalmente em nome do banco.
O impasse surgiu porque, até então, muitos tribunais entendiam que não seria possível penhorar um bem alienado, justamente porque este pertenceria, legalmente, ao credor fiduciário. Esse entendimento protegia o banco, mas deixava os condomínios em situação delicada: mesmo com dívidas relevantes em aberto, ficavam impedidos de levar o imóvel a leilão para quitar os débitos.
O novo entendimento do STJ
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que permitir que a alienação fiduciária inviabilize a cobrança de cotas condominiais seria lesivo à coletividade. Isso porque as despesas do condomínio são divididas entre todos os moradores, e a inadimplência de um impacta diretamente os demais.
A Terceira Turma reconheceu que a natureza propter rem da dívida condominial autoriza a penhora do imóvel mesmo quando alienado fiduciariamente. A ministra destacou que o condomínio não é parte na relação contratual entre o devedor e o banco, e que o modelo de garantia privada não pode se sobrepor ao interesse público e coletivo da gestão condominial.
Consequências práticas da decisão
Com a decisão, o STJ criou um importante precedente judicial. A partir de agora, os condomínios podem:
- Ingressar com execução judicial de dívidas condominiais, mesmo se o imóvel estiver alienado.
- Solicitar a penhora e leilão do imóvel, garantindo o pagamento da dívida condominial com prioridade sobre o crédito bancário.
- Contar com maior segurança jurídica ao tomar medidas contra unidades inadimplentes.
Como fica a ordem de pagamento no leilão?
A decisão também deixou claro que, no caso de leilão do imóvel penhorado:
- A dívida condominial será paga primeiro;
- O que sobrar será destinado ao credor fiduciário (o banco);
- E, se houver saldo, este retorna ao antigo proprietário.
Esse entendimento prestigia o caráter essencial da cota condominial para o funcionamento da coletividade.
Uma vitória da coletividade sobre a formalidade
O STJ sinalizou que o interesse coletivo do condomínio deve prevalecer sobre a formalidade registral que coloca o imóvel em nome do banco. A função social da propriedade — princípio constitucional — foi aplicada com rigor e sensatez.
Além disso, a decisão corrige uma distorção que estimulava a inadimplência: devedores sabiam que o imóvel alienado não seria penhorado facilmente, o que desestimulava o pagamento regular das cotas.
Reflexos na jurisprudência e no mercado imobiliário
A tendência da jurisprudência é fortalecer o condomínio como sujeito ativo, dotado de instrumentos eficazes para cobrar seus créditos. Isso não apenas melhora a gestão financeira dos edifícios, mas também:
- Valoriza imóveis com situação regular;
- Desestimula práticas de má-fé;
- Aumenta a confiança de investidores e moradores.
Por outro lado, é esperado que instituições financeiras passem a ser mais cautelosas nos contratos de alienação fiduciária, exigindo a regularidade das cotas condominiais como condição para novos financiamentos.
Repercussão para administradoras e síndicos
A decisão do STJ deve servir de alerta e incentivo para a cobrança judicial ativa das unidades inadimplentes, independentemente da existência de alienação fiduciária.
Administradoras e síndicos devem:
- Revisar as listas de inadimplentes com imóveis financiados;
- Avaliar, junto a advogados, a viabilidade de execuções com pedido de penhora do imóvel;
- Incluir cláusulas contratuais que abordem a questão da alienação em assembleias e convenções condominiais.
Considerações finais e orientação jurídica
A autorização da penhora de imóvel alienado fiduciariamente representa uma grande conquista para o direito condominial. É um reconhecimento do papel vital que as cotas desempenham na manutenção da coletividade e da ordem urbana.
Nossa equipe jurídica entende que essa decisão está em plena harmonia com os princípios do Código Civil, da Constituição Federal e da jurisprudência moderna. Ela fortalece a efetividade das execuções condominiais, até então muitas vezes inviabilizadas pela blindagem registral dos imóveis financiados.
Se você atua na gestão condominial e enfrenta dificuldades com unidades inadimplentes — especialmente aquelas alienadas fiduciariamente —, recomendamos buscar assessoria jurídica especializada para garantir segurança nos trâmites legais e evitar prejuízos ao caixa do condomínio.