STJ decide: hipoteca registrada anula contrato não registrado
A promessa de compra e venda sem registro pode não garantir a posse do imóvel em caso de conflito com terceiros de boa-fé. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu pela prevalência de uma hipoteca regularmente registrada, ainda que tenha sido constituída após a promessa de compra e venda.
O caso analisado envolvia um imóvel comercial vendido em 2007, por meio de contrato particular de promessa de compra e venda. No entanto, em 2009, a antiga proprietária hipotecou o mesmo imóvel a uma imobiliária, e esse ato foi registrado em cartório. A compradora só descobriu a hipoteca anos depois, ao tentar regularizar a propriedade.
Por que o registro é fundamental em contratos imobiliários?
A promessa de compra e venda sem registro gera apenas um direito pessoal entre comprador e vendedor. Isso significa que, perante terceiros, o contrato não tem eficácia jurídica. Para que a relação contratual ganhe força de direito real — ou seja, que produza efeitos contra qualquer outra pessoa — é necessário o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Sem registro, o comprador corre riscos como:
- Perda da posse para terceiros de boa-fé;
- Dificuldade em regularizar a propriedade;
- Impossibilidade de contestar juridicamente penhoras ou hipotecas registradas;
- Perda do imóvel em caso de execução contra o antigo proprietário.
O caso julgado pelo STJ: uma promessa sem garantia
Contexto fático:
- A compradora adquiriu o imóvel por contrato particular em 2007.
- Em 2009, a antiga dona hipotecou o bem a uma imobiliária.
- A hipoteca foi devidamente registrada.
- Em 2018, a compradora tentou registrar a compra e descobriu a hipoteca.
- A imobiliária pediu a penhora do imóvel em execução de dívida.
- A compradora entrou com embargos alegando ser dona do bem.
Decisão final:
A Quarta Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que a hipoteca prevalece, pois a compradora não registrou a promessa de compra e venda, e a imobiliária era terceira de boa-fé.
O que diz a jurisprudência?
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, nos termos do Código Civil e da Lei de Registros Públicos:
“A propriedade de bens imóveis só se transfere com o registro do título translativo no cartório de registro de imóveis.” (CC, art. 1.245)
Além disso, afirmou que o direito real só nasce com o registro. Antes disso, existe apenas um vínculo obrigacional entre comprador e vendedor.
Tabela Comparativa: Contrato Registrado x Contrato Não Registrado
Contrato com Registro | Promessa de Compra e Venda sem Registro |
---|---|
Gera direito real | Gera apenas direito pessoal |
É oponível a terceiros | Não protege contra terceiros de boa-fé |
Permite averbações, financiamentos e hipotecas | Risco de perda do imóvel |
Dá segurança jurídica ao comprador | Sujeito a litígios e penhoras alheias |
Pode ser usado como prova plena de propriedade | Requer prova adicional e depende de decisão judicial |
O que é considerado “terceiro de boa-fé”?
O terceiro de boa-fé é aquele que adquire um direito ou é beneficiado por um ato jurídico sem ter ciência de qualquer irregularidade anterior. No caso julgado, a imobiliária não tinha como saber que o imóvel já havia sido prometido a outra pessoa.
Como a promessa de compra e venda sem registro não aparece nos registros públicos, ela não pode ser oponível a terceiros como a imobiliária — que apenas confiou na matrícula atualizada do imóvel e registrou a hipoteca legalmente.
E a Súmula 308 do STJ, não se aplica?
A Súmula 308 do STJ estabelece que:
“É válida a penhora de bem alienado fiduciariamente ao devedor, quando não registrado o contrato.”
Porém, ela se aplica apenas a imóveis residenciais financiados pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação). O caso julgado envolvia um imóvel comercial, e a promessa de compra e venda sequer foi registrada.
Quais as consequências para o comprador?
A principal consequência da promessa de compra e venda sem registro é a perda do imóvel para terceiros protegidos pelo registro público. Isso pode ocorrer mesmo que o comprador:
- Esteja na posse do imóvel há anos;
- Tenha quitado totalmente o preço;
- Tenha reformado ou investido na propriedade.
A única solução viável, nesses casos, é tentar recuperar os valores pagos na Justiça, por meio de ação contra o vendedor original.
Como evitar problemas com a promessa de compra e venda sem registro?
Dicas práticas:
- Exija contrato com firma reconhecida e escritura pública, especialmente em valores acima de 30 salários mínimos.
- Registre a promessa de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis.
- Verifique a matrícula do imóvel atualizada antes de assinar qualquer documento.
- Desconfie de vendas sem escritura e sem registro — o barato pode sair caro.
- Nunca aceite negócios apenas com contratos de gaveta.
Existe direito à indenização nesses casos?
Sim. Quando o comprador perde o imóvel por ausência de registro, é possível:
- Propor ação de perdas e danos contra o vendedor;
- Cobrar judicialmente o valor pago pelo imóvel, inclusive com correção monetária;
- Buscar indenização por danos morais ou materiais, se houver prova do prejuízo e da má-fé da outra parte.
Considerações finais: o registro protege o comprador
O julgamento do STJ reforça um princípio básico do direito imobiliário: sem registro, não há propriedade nem proteção jurídica contra terceiros. A promessa de compra e venda sem registro, embora válida entre as partes, não tem valor perante o sistema registral.
Portanto, para garantir segurança, transparência e efetiva transferência da posse e propriedade, é imprescindível registrar todos os contratos no cartório competente.