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Competência da Justiça do Trabalho na Execução de Crédito Trabalhista Extraconcursal

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A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a execução de crédito trabalhista extraconcursal, cujo fato gerador ocorreu após o pedido de recuperação judicial, deve ser processada pela Justiça do Trabalho. A decisão ocorreu no julgamento de um conflito de competência entre a Vara Cível e a Vara do Trabalho, em Mato Grosso, e reforça que, após o fim do stay period — período em que as execuções de dívidas ficam suspensas —, o crédito trabalhista extraconcursal não fica sujeito ao controle do juízo da recuperação.

Neste artigo, vamos explorar o que isso significa, os impactos dessa decisão para trabalhadores e empresas, e as mudanças legislativas que moldaram esse entendimento. Entenda como funciona a execução de créditos extraconcursais e qual a competência dos diferentes juízos no processo de recuperação judicial.

O que é Crédito Extraconcursal?

Para compreender a decisão do STJ, é necessário primeiro entender o que são créditos extraconcursais e como eles se diferenciam dos créditos concursais.

  • Créditos concursais são aqueles que se originam antes do pedido de recuperação judicial ou falência e são tratados dentro do processo de recuperação, sendo sujeitos ao plano de recuperação ou à falência, conforme o caso. Esses créditos concorrem entre si para obter uma parte dos recursos do devedor, respeitando a ordem de preferência estabelecida em lei.
  • Já os créditos extraconcursais surgem após o pedido de recuperação judicial ou falência. Estes créditos têm natureza prioritária, pois referem-se a obrigações necessárias para a continuidade das atividades da empresa. Exemplo clássico de crédito extraconcursal são os salários de empregados gerados após a recuperação.

No caso em questão, o trabalhador obteve a sentença trabalhista após o início do processo de recuperação judicial da empresa, fazendo com que seu crédito fosse considerado extraconcursal.

O Conflito de Competência: Justiça do Trabalho ou Juízo da Recuperação?

A questão principal analisada pelo STJ era a de qual juízo seria competente para executar a sentença trabalhista: a Justiça do Trabalho ou o juízo da recuperação.

No caso em questão, o trabalhador buscou a execução de uma sentença trabalhista transitada em julgado na Vara do Trabalho de Primavera do Leste. No entanto, seu pedido foi indeferido, com o argumento de que, devido à recuperação judicial da empresa, a execução deveria ocorrer no juízo recuperacional (Vara Cível), mesmo sendo um crédito extraconcursal.

Diante dessa recusa, o trabalhador tentou habilitar seu crédito no processo de recuperação da empresa, mas novamente teve seu pedido negado, desta vez pelo juiz da 1ª Vara Cível de Campo Verde, que entendeu que, por se tratar de um crédito extraconcursal, não caberia ao juízo da recuperação executá-lo.

O trabalhador, então, suscitou um conflito de competência no STJ, para que fosse definido qual seria o juízo competente para a execução.

Decisão do STJ: Competência da Justiça do Trabalho

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, após o fim do stay period — que é o prazo de 180 dias durante o qual ficam suspensas as execuções de dívidas contra a empresa em recuperação —, a execução de crédito trabalhista extraconcursal deve prosseguir perante o juízo trabalhista. Ou seja, a Justiça do Trabalho é o foro adequado para processar essa execução.

A decisão foi fundamentada no fato de que, após o término do stay period, o juízo da recuperação só mantém competência sobre créditos que incidam sobre bens de capital essenciais à continuidade das atividades empresariais, e que se enquadrem nos créditos concursais. Já os créditos extraconcursais, como o crédito trabalhista discutido, devem ser executados normalmente na Justiça do Trabalho.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, com a entrada em vigor da Lei 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências, o juízo da recuperação passou a ter competência restrita para suspender atos constritivos sobre bens essenciais à atividade da empresa durante o stay period. Fora isso, o juízo trabalhista é competente para a execução de créditos que não fazem parte do processo de recuperação.

Trecho da Decisão do Ministro Relator

Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze:

“Após o fim do stay period, especialmente quando é concedida a recuperação, resultando na novação de todas as obrigações incluídas no respectivo plano, é essencial que o credor extraconcursal tenha seu crédito devidamente ajustado no âmbito da execução individual, não sendo aceitável que o juízo recuperacional continue a impedir a satisfação desse crédito após esse período.”

Ou seja, o credor de um crédito extraconcursal — como no caso do trabalhador em questão — não pode esperar indefinidamente o desenrolar do plano de recuperação, devendo buscar a satisfação de seu crédito de forma individual e direta.

Impacto da Lei 14.112/2020 na Competência do Juízo Recuperacional

A Lei 14.112/2020, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), trouxe mudanças importantes para delimitar a competência do juízo da recuperação. Antes da reforma, havia uma interpretação mais ampla, segundo a qual o juízo da recuperação teria competência para decidir sobre quase todas as execuções contra a empresa, mesmo se tratando de créditos extraconcursais.

Com a nova lei, o entendimento mudou, restringindo a competência do juízo da recuperação para lidar apenas com execuções que envolvem bens de capital essenciais à continuidade das atividades empresariais, como forma de garantir a preservação da empresa. Fora essas situações, outros créditos, como os trabalhistas extraconcursais, podem ser executados nos juízos competentes, como é o caso da Justiça do Trabalho.

Essa mudança trouxe maior segurança jurídica para credores trabalhistas, que agora têm mais clareza sobre onde devem buscar a execução de seus créditos.

A Importância do Princípio da Preservação da Empresa

A preservação da empresa é um princípio fundamental do regime de recuperação judicial. Ele tem como objetivo manter a continuidade das atividades empresariais, evitando a falência, o que traria prejuízos a empregados, fornecedores e credores em geral.

No entanto, como bem apontado pelo ministro Bellizze, o princípio da preservação da empresa não é absoluto. Embora seja importante dar à empresa em recuperação um tempo para se reorganizar e pagar suas dívidas de maneira sustentável, não é admissível que esse princípio seja usado para postergar indefinidamente o pagamento de créditos extraconcursais, especialmente os trabalhistas, que gozam de prioridade legal.

O Que Mudou com a Reforma da Lei de Recuperação Judicial?

A Lei 14.112/2020 trouxe diversas mudanças importantes para o processo de recuperação judicial. Entre as principais alterações, destacam-se:

  1. Restrição da Competência do Juízo da Recuperação: Agora, a competência do juízo da recuperação se limita a questões relacionadas diretamente ao plano de recuperação e à preservação dos bens essenciais à atividade da empresa. Execuções de créditos extraconcursais, como os trabalhistas, podem prosseguir em seus juízos de origem.
  2. Prioridade dos Créditos Extraconcursais: Créditos extraconcursais, como os gerados após o pedido de recuperação, passaram a ter uma execução mais direta, fora do âmbito da recuperação, assegurando que o credor não fique à mercê da conclusão do plano de recuperação.
  3. Foco na Continuidade da Empresa: A lei reforça a ideia de que a recuperação judicial visa a manter as atividades empresariais, mas sem permitir que isso inviabilize o pagamento de dívidas extraconcursais, especialmente trabalhistas.

Conclusão

A decisão do STJ no caso do trabalhador de Mato Grosso é um marco importante para definir a competência da Justiça do Trabalho na execução de créditos trabalhistas extraconcursais após o fim do stay period em processos de recuperação judicial. Com base na Lei 14.112/2020, a Justiça do Trabalho é o foro adequado para processar a execução desses créditos, garantindo que os trabalhadores possam receber suas verbas sem depender do desenrolar do processo de recuperação da empresa.

Esse entendimento traz segurança tanto para os trabalhadores quanto para as empresas, ao delimitar claramente as responsabilidades de cada juízo e garantir que a execução de créditos extraconcursais siga seu curso normal, sem prejudicar a continuidade da empresa.

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