Quando o CRA ou outros conselhos não podem exigir documentos
Resumo da decisão judicial
A 3ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) decidiu a favor de uma empresa do setor de comércio de eletroeletrônicos e artefatos plásticos, que se recusou a fornecer documentos ao Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul (CRA/RS). A empresa alegou não estar sujeita à fiscalização do conselho, já que suas atividades não se enquadram como privativas de administradores.
A juíza Adriane Battisti reconheceu que a empresa não está vinculada ao CRA/RS, declarando a inexistência de relação jurídica entre as partes. Com isso, o processo administrativo foi anulado e a intimação foi considerada inválida.
Por que a empresa se recusou a fornecer os documentos?
A solicitação inicial do CRA/RS pedia informações sobre cargos de direção, financeiro e recursos humanos. A empresa respondeu que não exercia atividades típicas de administração, e que, por isso, não era obrigada a fornecer tais informações ao conselho, pois não estava sujeita à sua fiscalização.
Mesmo com a recusa, o CRA/RS insistiu e chegou a aplicar uma ameaça de multa no valor de R$ 4.545,79, sob argumento de obstrução da atividade fiscalizatória.
O que diz a decisão da Justiça Federal?
A juíza reconheceu o direito do conselho de exercer poder de polícia sobre as empresas que atuem em áreas reguladas por aquele órgão. No entanto, ela destacou que:
“Tal fato, contudo, não tem o condão de fazer com que pessoas jurídicas não sujeitas à fiscalização forneçam documentos de seus colaboradores ou de sua estrutura organizacional, muito menos de impor penalidades.”
Ou seja, mesmo que o CRA tenha o poder legal de fiscalizar, esse poder não é absoluto e só pode ser exercido sobre empresas que efetivamente exerçam atividades inerentes à administração.
Tabela comparativa: empresa sujeita x não sujeita à fiscalização
Empresa sujeita à fiscalização de conselho | Empresa não sujeita à fiscalização de conselho |
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Atua em área regulamentada por profissão específica | Atua em ramo não privativo de profissão regulamentada |
Deve ter registro no conselho profissional | Não precisa manter registro nem atender exigências |
Obrigada a prestar informações quando solicitadas | Pode recusar pedidos de documentos do conselho |
Sujeita a penalidades por descumprimento | Não pode ser multada ou punida por conselho indevido |
O que configura atividade privativa de administrador?
Segundo a Lei nº 4.769/1965, que regulamenta a profissão de Administrador, são consideradas atividades privativas:
- Planejamento, organização e direção de empresas;
- Administração de recursos humanos, financeiros e materiais;
- Estudos de organização, métodos e programas de trabalho;
- Coordenação de logística, suprimentos e afins;
- Avaliação e perícia administrativa.
Portanto, para que o CRA possa fiscalizar uma empresa, é necessário que a atividade-fim da organização exija conhecimentos técnicos típicos de administração e que esses cargos sejam ocupados por profissionais registrados no conselho.
No caso julgado, a empresa atuava com comércio e distribuição de produtos — atividade comercial genérica, não privativa de administrador.
Consequências para o CRA/RS
A sentença anulou:
- O processo administrativo aberto contra a empresa;
- A intimação com pedido de documentos;
- A possível multa aplicada indevidamente.
Embora o CRA possa recorrer ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a decisão reforça o entendimento de que conselhos profissionais não podem extrapolar sua competência legal e fiscalizar qualquer empresa indiscriminadamente.
Qual a importância dessa decisão para outras empresas?
Essa sentença serve como jurisprudência e alerta para empresas que vêm recebendo cobranças, notificações ou autuações de conselhos profissionais, mesmo sem exercer atividades regulamentadas.
Empresas devem:
- Verificar se sua atividade está de fato sujeita à regulação profissional;
- Negar a entrega de documentos quando a fiscalização for indevida;
- Buscar orientação jurídica ao receber intimações de conselhos que não tenham relação direta com sua área de atuação.
Exemplos práticos: empresas e conselhos
Exemplo 1: Empresa de tecnologia x Conselho de Administração
Se a empresa de tecnologia atua apenas com desenvolvimento de software, não está obrigada a se registrar no CRA, pois não exerce atividade administrativa como profissão regulamentada.
Exemplo 2: Escritório de design x CREA
O Conselho Regional de Engenharia (CREA) não pode fiscalizar ou exigir registro de um estúdio de design gráfico, mesmo que utilize programas técnicos.
Perguntas frequentes (FAQ)
1. Toda empresa com setor de RH deve se registrar no CRA?
Não. Apenas se as atividades forem desempenhadas por profissionais com formação e função típica de administrador.
2. O conselho pode aplicar multa se eu não fornecer documentos?
Somente se sua empresa estiver legalmente sujeita à fiscalização do conselho. Caso contrário, a multa pode ser anulada judicialmente.
3. Posso ignorar uma intimação do conselho profissional?
O ideal é responder por escrito, justificando a ausência de vínculo, e buscar respaldo jurídico. Ignorar pode gerar processo administrativo indevido.
4. Como saber se minha empresa está sujeita à fiscalização?
Consulte a legislação da profissão regulamentada em questão e analise se sua atividade principal ou atividades de suporte se enquadram nas funções privativas previstas.
Conclusão: seus direitos diante de conselhos profissionais
A decisão da Justiça Federal do RS é um marco para garantir que empresas não sujeitas à fiscalização de conselho profissional não sejam coagidas a fornecer documentos ou pagar multas indevidas.
Conselhos profissionais exercem papel relevante na regulação de profissões, mas não podem ultrapassar os limites legais ao fiscalizar empresas que atuam em áreas fora de sua competência.
O que você deve fazer:
- Revise o CNAE e atividades reais da sua empresa;
- Identifique se há atividades privativas de profissão regulamentada;
- Consulte um advogado especializado ao receber ofícios de conselhos;
- Recorra judicialmente sempre que for alvo de fiscalização indevida.