A cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um dos temas mais complexos e debatidos no sistema tributário brasileiro. Recentemente, uma decisão da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, proferida pela juíza Alessandra Teixeira Miguel, trouxe novo fôlego a essa discussão ao declarar que a antecipação de ICMS por decreto é inconstitucional.
A medida suspendeu a cobrança de um débito de mais de R$ 4,1 milhões contra uma empresa distribuidora, reforçando o entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que somente lei em sentido estrito pode criar obrigação tributária.
Esse caso tem repercussão direta não apenas para a empresa envolvida, mas também para todo o setor empresarial paulista e nacional, já que envolve a aplicação prática do Tema 456 do STF e a interpretação do artigo 426-A do RICMS/SP.
📖 O caso concreto: cobrança milionária de ICMS antecipado
Uma distribuidora paulista foi autuada pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, que exigiu o recolhimento antecipado de ICMS no valor de R$ 4.181.517,70.
A cobrança teve como base o artigo 426-A do Regulamento do ICMS (RICMS/SP), que prevê que, ao receber mercadorias de outros estados, o contribuinte paulista deve efetuar o recolhimento antecipado do imposto.
A empresa questionou a exigência, argumentando que:
- O dispositivo utilizado é decreto regulamentar, e não uma lei em sentido estrito.
- A cobrança viola o princípio da legalidade tributária.
- O ICMS não pode ser exigido em deslocamentos de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
A juíza acolheu o pedido e suspendeu a cobrança até decisão final, reconhecendo a probabilidade do direito da autora.
⚖️ O entendimento da Justiça
Na sentença, a juíza Alessandra Teixeira Miguel reforçou três pontos fundamentais:
- Inconstitucionalidade da cobrança via decreto
- A exigência antecipada de ICMS só pode ser criada por lei específica.
- Decreto ou regulamento, como o RICMS, não têm poder de instituir novas obrigações tributárias.
- Necessidade de lei complementar para substituição tributária
- O STF, no Tema 456, deixou claro que a antecipação do pagamento de ICMS sem substituição tributária requer lei ordinária estadual.
- Quando se trata de substituição tributária progressiva, é exigida lei complementar federal.
- Proteção contra prejuízos financeiros
- A cobrança antecipada poderia gerar graves impactos financeiros para a empresa.
- A decisão buscou resguardar o equilíbrio entre arrecadação e segurança jurídica.
📌 Tema 456 do STF: o que diz a jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento de que:
- A antecipação do pagamento do ICMS sem substituição tributária só pode ser feita por meio de lei estadual específica.
- Decreto regulamentar não tem competência para instituir obrigações tributárias principais.
- A substituição tributária progressiva exige lei complementar federal, que estabeleça as regras gerais do regime.
Portanto, decisões como a da juíza de São Paulo reforçam essa interpretação e dão respaldo a contribuintes que questionam autuações semelhantes.
📊 Impactos para empresas e contribuintes
A decisão sobre a antecipação de ICMS por decreto gera efeitos importantes:
- Para empresas
- Redução de riscos de autuações milionárias.
- Possibilidade de questionar judicialmente cobranças indevidas já efetuadas.
- Maior previsibilidade jurídica no planejamento tributário.
- Para o Estado
- Perda temporária de arrecadação em casos de antecipação sem base legal.
- Necessidade de reforçar a base legal com leis específicas aprovadas pelo legislativo estadual.
- Para o sistema tributário
- Reforço ao princípio da legalidade.
- Diminuição da insegurança jurídica.
- Potencial redução de litígios ao seguir a orientação do STF.
🔍 Diferença entre antecipação e substituição tributária
É importante diferenciar os conceitos:
- Antecipação de ICMS: ocorre quando o pagamento do imposto é exigido antes da ocorrência do fato gerador (exemplo: entrada da mercadoria no estado).
- Substituição tributária: regime em que o imposto é recolhido por um contribuinte substituto, em nome de outros contribuintes, geralmente antes da circulação da mercadoria no mercado.
Enquanto a substituição tributária tem previsão legal clara e respaldo em lei complementar, a antecipação exige lei estadual específica — nunca apenas decreto.
💬 Opiniões jurídicas sobre a decisão
Especialistas em direito tributário consideram o caso emblemático.
- Daniela Andrade dos Santos, advogada da empresa, destacou que a decisão protegeu a companhia de um prejuízo imediato e reforçou a jurisprudência do STF.
- Doutrinadores de direito tributário defendem que a antecipação sem lei específica viola o princípio da legalidade e da tipicidade cerrada em matéria tributária.
Essa visão fortalece o argumento de que a segurança jurídica deve prevalecer sobre tentativas de arrecadação por vias simplificadas.
🔮 Perspectivas futuras
Com essa decisão, espera-se que outras empresas busquem o Judiciário para suspender cobranças semelhantes. A tendência é que a Fazenda Estadual precise adequar suas práticas, buscando respaldo em leis aprovadas pelo legislativo.
Além disso, a decisão pode gerar um efeito cascata em outros estados que utilizam decretos para implementar regimes de antecipação de ICMS.
📌 Conclusão
A decisão da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo marca um passo importante na defesa do contribuinte contra cobranças arbitrárias.
Ao declarar que a antecipação de ICMS por decreto é inconstitucional, a Justiça paulista reafirma o princípio da legalidade tributária e se alinha ao entendimento consolidado do STF.
Para as empresas, é uma vitória que garante maior previsibilidade financeira. Para o sistema jurídico, representa o fortalecimento da segurança e do respeito às normas constitucionais.