O recente caso envolvendo a Ultrafarma e a Fast Shop colocou os créditos de ICMS no centro do debate tributário brasileiro. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), um esquema bilionário teria manipulado processos administrativos para liberar valores indevidos, prejudicando os cofres públicos e levantando dúvidas sobre a confiabilidade do sistema atual.
Esse episódio expõe a fragilidade do modelo de devolução e compensação do ICMS e mostra como a Reforma Tributária 2025, que será implementada gradualmente até 2033, pode ser decisiva para reduzir espaço para fraudes e trazer mais agilidade e transparência.
Neste artigo, você vai entender:
- O que são os créditos de ICMS e como funcionam;
- Por que esse mecanismo é tão suscetível a fraudes;
- Como o caso Ultrafarma evidencia riscos do sistema atual;
- O que a Reforma Tributária traz de mudanças para devolução de créditos;
- Como empresas podem se preparar para um modelo mais seguro e eficiente.
O que são créditos de ICMS
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um dos tributos mais importantes do Brasil, de competência estadual. Ele incide sobre operações de compra e venda de mercadorias e sobre alguns serviços.
Pelo princípio da não cumulatividade, sempre que uma empresa compra insumos, mercadorias ou serviços e paga ICMS, ela tem direito a um crédito de ICMS. Esse crédito pode ser usado para abater o imposto devido nas etapas seguintes da cadeia produtiva.
👉 Exemplo prático:
- Uma indústria compra matéria-prima e paga R$ 100 de ICMS;
- Ao vender o produto acabado, o ICMS devido é de R$ 200;
- O imposto a recolher será apenas R$ 100 (200 – 100), pois o crédito pago anteriormente é compensado.
Assim, os créditos de ICMS evitam a tributação em cascata, garantindo justiça fiscal e maior competitividade para empresas.
Por que os créditos de ICMS acumulam?
Existem situações em que os créditos não podem ser imediatamente utilizados, gerando acúmulos:
- Exportações: vendas externas são isentas, mas os créditos sobre insumos permanecem;
- Substituição Tributária (ICMS-ST): quando o imposto é recolhido de forma antecipada, mas não há débito correspondente na venda;
- Diferenças de alíquotas: quando a carga na compra é maior que na venda.
Em setores como o varejo e a indústria exportadora, os créditos de ICMS podem alcançar cifras bilionárias, tornando-se um tema estratégico — e vulnerável a irregularidades.
O caso Ultrafarma e os riscos de fraude nos créditos de ICMS
O Ministério Público de São Paulo revelou que a Ultrafarma teria se beneficiado de um esquema envolvendo um auditor fiscal da Sefaz-SP, que liberava créditos de ICMS de forma acelerada e irregular.
Entre as fraudes identificadas estavam:
- Aprovação de valores acima do devido;
- Supressão de etapas de auditoria interna;
- Redução artificial dos prazos de análise, que normalmente chegam a dois anos.
Esse tipo de fraude é facilitado pela:
- Morosidade do sistema, que incentiva empresas a buscar atalhos ilegais;
- Falta de prazos legais definidos para restituição;
- Fragmentação das legislações estaduais, que abre espaço para diferentes interpretações e pressões políticas.
Segundo estimativas, apenas em São Paulo existem cerca de R$ 10 bilhões em créditos de ICMS pendentes de restituição. Esse cenário cria tanto insegurança para empresas quanto espaço para corrupção.
Tabela comparativa: sistema atual x após reforma tributária
Aspecto | Sistema atual (ICMS) | Novo modelo (IBS + CBS) |
---|---|---|
Gestão do imposto | Estadual (27 legislações diferentes) | Nacional, com comitê gestor único |
Prazos para devolução | Indefinidos, podendo levar anos | Prazos de 60 a 180 dias previstos em lei |
Processo | Administrativo estadual, sujeito a influência | Automatizado e nacional |
Risco de fraude | Alto, pela subjetividade e morosidade | Reduzido, com split payment e automação |
Aproveitamento de créditos | Limitado, sujeito a disputas | Amplo, não cumulatividade plena |
Como a Reforma Tributária muda os créditos de ICMS
A Reforma Tributária 2025, regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, prevê a extinção do ICMS em 2033, substituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Entre as principais mudanças para os créditos estão:
1. Unificação e centralização da apuração
O IBS terá legislação uniforme em todo o país, com controle centralizado, evitando as divergências estaduais que hoje dificultam a compensação dos créditos de ICMS.
2. Prazos definidos para devolução
A lei estabelece prazos de 60 a 180 dias para restituição de créditos, trazendo previsibilidade e reduzindo o incentivo à busca de “atalhos”.
3. Comitê Gestor independente
O IBS será administrado por um comitê nacional, reduzindo a influência de interesses locais e a dependência do caixa de cada estado.
4. Automatização e split payment
O imposto será recolhido automaticamente na transação, e o valor destinado ao Fisco será transferido de forma imediata, eliminando brechas para liberações indevidas.
5. Não cumulatividade plena
A nova regra permitirá o aproveitamento de créditos sobre praticamente todos os bens e serviços relacionados à atividade da empresa, ampliando o volume de créditos legítimos e diminuindo disputas jurídicas.
Benefícios da reforma para empresas
Para empresas, a mudança promete:
- Maior segurança jurídica;
- Redução de custos operacionais com processos administrativos;
- Agilidade na recuperação de créditos, melhorando o fluxo de caixa;
- Diminuição de autuações e litígios fiscais.
Ou seja, a reforma não apenas combate fraudes, como também beneficia empresas regulares que hoje enfrentam morosidade e insegurança.
O que dizem as empresas e a Sefaz-SP
- Ultrafarma: firmou Acordo de Não Persecução Penal, reconhecendo irregularidades e parcelando os valores devidos;
- Fast Shop: alegou colaborar com as investigações, sem acesso aos autos;
- Sefaz-SP: informou que abriu processo administrativo contra o auditor envolvido e reforçou que sua corregedoria está atuando no caso.
Como as empresas devem se preparar
Mesmo com a transição até 2033, é fundamental que as empresas comecem já a se preparar para as mudanças:
- Mapear saldos de créditos de ICMS existentes;
- Revisar processos internos de controle fiscal;
- Investir em tecnologia e ERPs integrados para automatizar a gestão tributária;
- Acompanhar a legislação e os atos do Comitê Gestor;
- Adotar práticas de compliance fiscal para reduzir riscos de autuações.
Conclusão
O caso Ultrafarma escancarou as falhas e riscos do atual modelo de créditos de ICMS, marcado por morosidade, fragmentação legislativa e vulnerabilidade a fraudes.
A Reforma Tributária 2025, ao unificar tributos e criar prazos legais para restituição, representa uma mudança estrutural que pode beneficiar tanto o Estado, reduzindo corrupção, quanto as empresas, ao garantir previsibilidade e agilidade na devolução de créditos.
Mais do que uma obrigação, essa transição é uma oportunidade para empresas adotarem governança fiscal sólida, tecnologia e compliance — elementos essenciais para prosperar no novo cenário tributário brasileiro.