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Divulgação de receitas e despesas não viola direito a sigilo e privacidade

Limites e garantias nos cartórios extrajudiciais: STJ

A divulgação de receitas e despesas de cartórios voltou a ser debatida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do RMS 70.212. A decisão reafirmou que tais informações não constituem dados pessoais protegidos por sigilo ou privacidade, devendo ser publicadas nos portais de transparência dos tribunais de justiça.

O entendimento reforça a aplicação de princípios como a publicidade, moralidade e transparência no exercício das atividades notariais e registrais, mesmo que desempenhadas por particulares sob delegação do poder público.

Neste artigo, vamos detalhar:

  • Os fundamentos do STJ para permitir a divulgação de receitas e despesas de cartórios.
  • Como a Corte entende o regime jurídico dos notários e registradores.
  • Um caso correlato analisado na mesma sessão sobre nulidade de nomeação de substituto em situação irregular.

Divulgação de receitas e despesas de cartórios: o que decidiu o STJ

O caso teve origem em um mandado de segurança coletivo impetrado por entidades de classe contra determinação do Tribunal de Justiça do Paraná para que dados sobre receitas, despesas e remunerações dos responsáveis por serventias extrajudiciais fossem divulgados no Portal da Transparência.

As entidades alegaram que a medida violaria o direito à intimidade e à vida privada dos delegatários.

O relator, ministro Herman Benjamin, rejeitou o argumento. Para ele:

  • Embora os serviços notariais e de registro sejam prestados em caráter privado, eles mantêm natureza essencialmente estatal.
  • O artigo 236 da Constituição Federal estabelece que tais serviços são delegações do poder público e visam à garantia da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
  • Os notários e registradores, apesar de não serem servidores públicos, são agentes públicos lato sensu, sujeitos a fiscalização e ao regime jurídico de direito público.

Precedentes e comparações

O ministro lembrou que tanto o STJ quanto o STF já decidiram que a divulgação nominal da remuneração de servidores públicos não fere a intimidade ou privacidade. O mesmo raciocínio se aplica aos responsáveis por cartórios.

Essa posição encontra respaldo no princípio da publicidade administrativa (art. 37, caput, da Constituição), que impõe transparência na gestão dos recursos públicos e atividades delegadas.


Pontos principais do RMS 70.212

  1. Receitas e despesas de cartórios não são dados pessoais protegidos.
  2. A transparência se justifica pela natureza pública da função.
  3. A fiscalização é legítima e obrigatória, mesmo para delegatários.

O regime jurídico dos cartórios e seus titulares

Os cartórios funcionam por delegação do poder público, outorgada a pessoas físicas aprovadas em concurso público. Embora tenham autonomia administrativa e financeira, estão sujeitos a:

  • Normas da Lei 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores).
  • Fiscalização pelo Poder Judiciário local.
  • Limites constitucionais e princípios da administração pública.

A divulgação de receitas e despesas é vista como parte do dever de prestação de contas, indispensável para evitar abusos e manter a confiança pública.


Caso correlato: nulidade de nomeação de substituto (RMS 69.678)

Na mesma sessão, a Segunda Turma analisou outra questão envolvendo serventias extrajudiciais: a nulidade da nomeação de substituto feita por titular que estava em situação irregular.

Os fatos

  • Um procurador do Estado de Roraima, em licença não remunerada, foi aprovado em concurso e designado titular de cartório na Bahia.
  • O ato foi anulado por incompatibilidade absoluta entre o cargo público e a delegação cartorária.
  • Com liminar, ele permaneceu provisoriamente no cargo e nomeou a recorrente como substituta.
  • Quando a liminar foi revogada e a serventia declarada vaga, a Justiça local não permitiu que a substituta assumisse a titularidade.

O que decidiu o STJ

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, explicou que:

  • O artigo 20, §5º, da Lei 8.935/1994 trata de substituições temporárias, não de titularidade definitiva.
  • A nulidade da investidura do titular anterior contamina todos os atos subsequentes, inclusive a nomeação do substituto.

Resultado: a designação foi considerada inválida, e a substituta não pôde assumir.


Impactos práticos das decisões

Para os titulares de cartório

  • É preciso ter consciência de que as informações financeiras da serventia podem ser divulgadas publicamente.
  • Nomeações feitas em situação irregular podem ser anuladas, com efeitos retroativos.

Para a sociedade

  • Maior transparência na gestão dos cartórios.
  • Redução de espaço para irregularidades e nepotismo.

Para candidatos a concursos de cartório

  • Entendimento claro de que a função, embora exercida por particulares, está vinculada a regras de direito público.
  • Necessidade de observar todos os requisitos legais para evitar nulidades.

Quadro comparativo das decisões

TemaProcessoPonto centralResultado
Divulgação de receitas e despesasRMS 70.212Não há violação de sigilo ou privacidadeTransparência mantida
Nomeação de substituto irregularRMS 69.678Nulidade de atos decorrentes de investidura inválidaNomeação anulada

Perguntas frequentes sobre divulgação de receitas e despesas de cartórios

1. Todos os estados precisam divulgar esses dados?
Sim, desde que haja norma ou ato administrativo determinando a transparência, conforme precedentes do STF e STJ.

2. A divulgação inclui dados pessoais como CPF ou endereço?
Não, apenas informações funcionais e financeiras relacionadas à serventia.

3. O titular pode impedir a divulgação judicialmente?
Dificilmente, pois a jurisprudência é contrária a esse tipo de pedido.


Conclusão

O julgamento do RMS 70.212 pelo STJ consolida a ideia de que a divulgação de receitas e despesas de cartórios não afronta direitos fundamentais, mas sim reforça a moralidade e a transparência no exercício das funções delegadas.

Já o caso do RMS 69.678 serve como alerta para que titulares e substitutos estejam sempre regulares perante a lei, pois atos praticados por delegatários em situação irregular podem ser anulados integralmente.

Essas decisões, somadas, mostram que a atividade cartorária, apesar de privada na forma de execução, continua submetida a um alto padrão de fiscalização e responsabilidade pública.

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