A tentativa de ocultar patrimônio para evitar o pagamento de dívidas judiciais é prática reprovável e, cada vez mais, combatida pelo Poder Judiciário. Em uma decisão recente e relevante, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) reconheceu a ocorrência de fraude à execução por renúncia à herança, realizada por um devedor após ser incluído em uma ação trabalhista.
A medida adotada, segundo o tribunal, teve o claro objetivo de frustrar a quitação da dívida trabalhista, privando o credor de um bem que poderia ser utilizado para a satisfação do crédito. Essa decisão reforça a jurisprudência de que atos de renúncia ou transferência de bens durante um processo judicial podem ser considerados ineficazes quando configuram fraude à execução.
Neste artigo, vamos explorar todos os detalhes do caso, os fundamentos legais aplicados, a diferença entre legalidade da renúncia e sua ineficácia perante o credor, além de orientações práticas para quem atua ou se envolve com execuções judiciais.
Entenda o caso julgado pelo TRT-MG
O caso envolveu um ex-sócio de empresa executada que, após ter sido incluído na fase de execução de um processo trabalhista, renunciou à herança deixada por sua mãe. A renúncia foi feita em março de 2021, após o ajuizamento da ação e após a inclusão formal do devedor como parte no polo passivo, que aconteceu em junho de 2020.
A herança foi transferida para a irmã do executado, que, junto ao marido, entrou com embargos de terceiro na tentativa de evitar a penhora dos bens herdados. No entanto, o TRT-MG rejeitou os embargos, reconhecendo que a renúncia caracterizava fraude à execução e autorizou a penhora dos bens herdados, até o limite do quinhão correspondente ao devedor.
Fundamentos jurídicos da decisão
A base legal para a decisão foi o artigo 792, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que trata da fraude à execução. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 792. A alienação ou oneração de bem é considerada fraude à execução:
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.
Segundo o entendimento do relator, desembargador Marcos Penido de Oliveira, o devedor tinha plena ciência do processo em curso e renunciou aos bens com o objetivo de impedir sua penhora. Assim, o ato não pode produzir efeitos contra o credor.
Renúncia à herança: é legal, mas pode ser ineficaz
A decisão também esclarece um ponto jurídico muito importante: a renúncia à herança, por si só, não é ilegal. O direito de aceitar ou renunciar a herança está previsto no Código Civil, e cada herdeiro pode decidir sobre sua parte.
Entretanto, o que o TRT-MG apontou com clareza é que o ato, embora legal, torna-se ineficaz em relação ao credor, se tiver como objetivo fraudar a execução e blindar o patrimônio que seria usado para pagar a dívida.
Comparativo: legalidade da renúncia vs. fraude à execução
Aspecto | Renúncia lícita | Fraude à execução por renúncia |
---|---|---|
Momento em que é feita | Antes de qualquer processo judicial | Após o início da ação ou da inclusão do devedor na execução |
Finalidade | Livre disposição da herança, sem intenção de prejuízo | Intenção de impedir que o bem seja atingido por penhora |
Efeito sobre o credor | Não gera prejuízo | Impede a satisfação do crédito judicial |
Resultado jurídico | Renúncia válida | Renúncia ineficaz em relação ao credor |
Posicionamento do Judiciário: proteção do crédito trabalhista
A decisão da 5ª Turma do TRT-MG segue a linha protetiva do crédito trabalhista, considerada natureza alimentar e com preferência no recebimento em relação a outros tipos de crédito.
Ao permitir a penhora dos bens herdados, mesmo após a renúncia, a Corte:
- Garante a efetividade da execução trabalhista;
- Combate manobras que visem esconder patrimônio;
- Preserva os direitos fundamentais do trabalhador.
A jurisprudência reconhece que atos de disposição patrimonial feitos após a ciência de uma ação judicial devem ser analisados com rigor, especialmente quando reduzem o devedor à insolvência.
O que acontece com a parte da herança após o pagamento da dívida?
O TRT-MG foi claro em preservar o direito da irmã do executado. A decisão autorizou a penhora somente até o limite do valor da dívida e da parte que caberia ao devedor na herança. O restante, ou seja, o saldo do quinhão após a quitação da dívida, deverá ser transferido normalmente para a irmã, como previsto na escritura de renúncia.
Esse ponto reforça a ideia de que a ineficácia do ato não anula a renúncia como um todo, mas a limita perante o credor.
Consequências práticas para credores e devedores
Para credores:
- É possível questionar judicialmente atos de renúncia ou transferência de bens feitos após o início da execução;
- A jurisprudência tende a favorecer a penhora, especialmente quando há prova de ciência do devedor sobre o processo.
Para devedores:
- Atos de renúncia ou alienação patrimonial devem ser realizados com cautela e transparência jurídica;
- Qualquer tentativa de esconder patrimônio pode ser considerada fraude à execução, mesmo que disfarçada de um ato legal;
- O planejamento sucessório ou patrimonial deve ser feito antes do surgimento de litígios, para evitar nulidades.
Perguntas frequentes (FAQ)
Renúncia à herança sempre configura fraude à execução?
Não. A renúncia só será considerada fraude se ocorrer após o início de um processo judicial capaz de gerar insolvência, e se ficar demonstrada a má-fé do devedor.
É possível penhorar bens renunciados?
Sim, quando a renúncia é considerada fraude à execução, o ato torna-se ineficaz, e o bem pode ser penhorado até o valor da dívida.
O que acontece com os herdeiros beneficiados pela renúncia?
Eles mantêm o direito ao restante da herança, após a quitação da dívida do renunciante. Ou seja, não perdem tudo, apenas a parte usada para saldar a execução.
A decisão vale para outros tipos de dívida ou apenas trabalhista?
O princípio se aplica a qualquer tipo de execução judicial, mas é ainda mais protegido na esfera trabalhista, devido ao caráter alimentar do crédito.
Como o credor pode descobrir renúncias ou transferências feitas pelo devedor?
Por meio de pesquisa patrimonial, consultas a cartórios, e ações de investigação, como incidentes de desconsideração da personalidade jurídica e quebra de sigilo patrimonial.
Conclusão: renúncia à herança pode ser considerada fraude à execução
A decisão do TRT-MG fortalece o entendimento de que a renúncia à herança não pode ser usada como ferramenta para esconder patrimônio e evitar a execução de dívidas, principalmente trabalhistas. Quando feita após o início do processo, com clara intenção de prejudicar o credor, ela pode ser considerada fraude à execução, tornando-se ineficaz para fins de penhora.
Essa jurisprudência serve de alerta a devedores e reforça o direito dos credores de buscar meios eficazes de satisfação do crédito judicial, mesmo diante de tentativas de ocultação patrimonial.