O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, que o imóvel do espólio ocupado por herdeiros permanece protegido como bem de família e não pode ser penhorado para quitar dívidas deixadas pelo falecido. A decisão representa um importante marco jurídico ao reforçar a impenhorabilidade de bem de família do espólio, mesmo diante de obrigações financeiras herdadas.
Neste artigo, você vai entender os fundamentos legais dessa decisão, o princípio da saisine, os limites da responsabilidade dos herdeiros e como essa jurisprudência pode impactar processos de execução patrimonial.
⚖️ O que é a impenhorabilidade de bem de família do espólio?
A impenhorabilidade de bem de família do espólio refere-se à proteção legal conferida ao imóvel utilizado como residência da entidade familiar, mesmo após o falecimento do proprietário. Essa proteção está prevista na Lei 8.009/1990, que impede que esse bem seja usado para quitar dívidas, com exceções bem restritas.
Elementos-chave para a proteção:
- O imóvel deve ser residência do falecido e ocupado por herdeiros;
- Deve ser o único imóvel residencial do espólio;
- A dívida não pode se enquadrar nas exceções legais do art. 3º da Lei 8.009/1990 (ex: pensão alimentícia, financiamento do próprio imóvel etc.).
📌 Caso julgado no STJ: entenda os fatos
Origem da dívida
Uma família credora entrou com ação contra o espólio de um empresário falecido, ex-sócio de uma empresa falida, para garantir o pagamento de uma dívida no valor de R$ 66.383,22.
Pedido de arresto
Foi solicitada a penhora do único imóvel do espólio, com o argumento de que os herdeiros poderiam vendê-lo antes da conclusão da execução. O juízo de primeiro grau concedeu liminar para bloquear o bem.
Argumento do espólio
A defesa alegou a impenhorabilidade de bem de família do espólio, pois o imóvel era residência de dois herdeiros, sendo um deles interditado e sem renda.
🚫 TJRS negou proteção: entenda o equívoco
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) negou a impenhorabilidade, alegando que:
- O bem ainda estava em nome do falecido;
- Não havia partilha, então a proteção da Lei 8.009/1990 não se aplicaria;
- O espólio deveria responder integralmente pelas dívidas do falecido.
Esse entendimento, porém, foi reformado pelo STJ, que reafirmou a eficácia contínua da proteção do bem de família, mesmo antes da partilha.
🏛️ O entendimento do STJ: proteção continua após o falecimento
Segundo o relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, o fato de o imóvel ainda estar em nome do falecido não desconfigura sua natureza de bem de família. Para ele, a proteção da Lei 8.009/1990:
“Tem caráter de ordem pública e só pode ser afastada nas hipóteses expressamente previstas na lei.”
Princípio da saisine
Baseado no art. 1.784 do Código Civil, o princípio da saisine afirma que:
“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”
Isso significa que os herdeiros assumem automaticamente o patrimônio, incluindo direitos e proteções que existiam em nome do falecido.
🧾 Tabela comparativa: com e sem impenhorabilidade
Com proteção do bem de família | Sem proteção (casos excepcionais) |
---|---|
Imóvel usado como residência por herdeiros | Dívidas de pensão alimentícia |
Único bem do espólio | Financiamento do próprio imóvel |
Não há intenção de venda fraudulenta | Fiança locatícia (jurisprudência oscilante) |
Herdeiro sem renda (ex: interditado) | Dívidas com garantia real sobre o imóvel |
📜 Base legal da decisão
A decisão se baseou nas seguintes normas e princípios:
🏠 Lei 8.009/1990 – Proteção do bem de família
- Art. 1º: Impenhorabilidade do imóvel residencial da entidade familiar.
- Art. 3º: Lista taxativa das exceções à impenhorabilidade.
- Art. 5º: Não é necessário registro em cartório para que o imóvel seja protegido.
📘 Código Civil (2002)
- Art. 1.784 (saisine): Herança é transmitida de forma automática.
- Art. 1.997: Herdeiros respondem pelas dívidas do falecido dentro do limite da herança recebida.
⚠️ Impenhorabilidade não extingue a dívida
O relator do caso deixou claro que:
“A dívida permanece existente e exigível. A proteção do bem de família atua como limitação à execução, e não como extinção do crédito.”
Ou seja, o credor ainda pode executar outros bens do espólio, desde que não protegidos por normas específicas.
💬 Perguntas comuns sobre o tema
O imóvel precisa estar no nome dos herdeiros para ser protegido?
Não. Basta que seja utilizado como residência e mantenha as condições legais para a proteção.
Dívidas do falecido podem atingir o imóvel residencial da família?
Não, salvo nas hipóteses restritas do art. 3º da Lei 8.009/1990.
A partilha precisa estar concluída para o imóvel ser protegido?
Não. A impenhorabilidade de bem de família do espólio independe de partilha formal.
A impenhorabilidade vale se o herdeiro morar sozinho no imóvel?
Sim, desde que o imóvel seja único e destinado à residência familiar, mesmo que de apenas um herdeiro.
👨👩👦 Situação de herdeiros vulneráveis aumenta a proteção
No caso julgado pelo STJ, a situação de vulnerabilidade de um dos herdeiros — interditado e sem renda — reforçou o entendimento de que o bem exerce função social de moradia e não pode ser expropriado para satisfazer dívidas.
Esse ponto evidencia a dimensão humanística da Lei 8.009/1990, que visa resguardar o direito à moradia, especialmente de pessoas em condição de fragilidade.
📈 Impacto da decisão para o Judiciário e famílias
- Padroniza a jurisprudência em favor da moradia digna;
- Evita injustiças em execuções patrimoniais contra espólios;
- Garante segurança jurídica para famílias enlutadas e endividadas;
- Reduz litígios sobre penhoras indevidas de imóveis residenciais.
🔐 Conclusão: proteção legal permanece após o falecimento
A decisão do STJ no REsp 2.111.839 reafirma que a impenhorabilidade de bem de família do espólio permanece válida mesmo sem partilha formal, desde que respeitados os critérios legais. Essa proteção:
- Garante moradia aos herdeiros;
- Restringe abusos na execução de dívidas;
- Mantém a coerência com o princípio da saisine e da dignidade da pessoa humana.
A dívida, por sua vez, não desaparece, mas deve ser cobrada por meios compatíveis com os direitos fundamentais, sem violar a proteção legal do bem de família.