Entenda por que a Justiça autorizou a isenção do IPI mesmo com o recebimento do BPC
A isenção de IPI para quem recebe BPC voltou a ser tema de destaque após a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconhecer o direito de uma pessoa com deficiência ao benefício fiscal, mesmo sendo beneficiária do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A decisão reforça que os benefícios assistenciais e fiscais não são incompatíveis entre si, desde que respeitados os requisitos legais. Neste artigo, vamos explicar em detalhes o que é o BPC, o que diz a legislação sobre isenção de IPI para PCD (pessoa com deficiência), o entendimento do TRF3, e o impacto dessa decisão para milhares de brasileiros.
O que é o BPC?
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um benefício assistencial, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei nº 8.742/1993 –, que garante o pagamento de um salário mínimo mensal a:
- Idosos com 65 anos ou mais que comprovem baixa renda;
- Pessoas com deficiência, de qualquer idade, que não têm meios de prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família.
O BPC não exige contribuição prévia ao INSS e, por isso, não é um benefício previdenciário, mas sim assistencial. Esse detalhe foi crucial no julgamento do TRF3, pois a legislação proíbe a acumulação do BPC apenas com benefícios previdenciários, não com benefícios fiscais.
O que é a isenção de IPI para PCD?
A isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é um benefício fiscal concedido a pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, e autistas, previsto pela Lei nº 8.989/1995. A isenção pode ser solicitada para compra de veículo zero-quilômetro.
Requisitos básicos para solicitar a isenção:
- Ter laudo médico que comprove a deficiência;
- Adquirir veículo novo com valor compatível com a renda;
- Comprovar que o veículo será usado no transporte da pessoa com deficiência, mesmo que por terceiros;
- Não ter adquirido outro veículo com isenção nos últimos dois anos.
O objetivo do benefício é facilitar a mobilidade e promover a inclusão social, respeitando os direitos garantidos pela Constituição.
O caso analisado pelo TRF3
O impetrante é uma pessoa com deficiência que recebe o BPC. Ele teve o pedido de isenção de IPI negado pela Receita Federal, sob a justificativa de que o recebimento do benefício indicaria condição de hipossuficiência, incompatível com a aquisição de um veículo novo.
A ação foi negada em primeira instância, mas o autor recorreu ao TRF3, argumentando:
- Que os recursos para a compra do carro vinham da venda de um imóvel do pai;
- Que a mãe conduziria o veículo para facilitar sua locomoção;
- E que não existe vedação legal para que quem recebe o BPC obtenha a isenção fiscal.
O TRF3 concedeu a segurança, afirmando que não há incompatibilidade entre o BPC e a isenção de IPI, pois são benefícios de naturezas distintas.
O que disse a relatora do caso
A desembargadora federal Leila Paiva, relatora do processo (Apelação Cível 5000157-44.2020.4.03.6117), foi enfática ao afirmar que:
“A restrição contida no artigo 20, §4º, da Lei n. 8.742/1993 deve ser interpretada restritivamente, já que se refere à impossibilidade de acumulação de benefício de prestação continuada com outros benefícios previdenciários, […] mas não impede a concessão da isenção do IPI, que se refere a benefício fiscal.”
Ela também reforçou o papel limitado da Receita Federal, que deve verificar apenas os requisitos legais e documentais, e não extrapolar sua atuação fazendo juízos de valor sobre a situação econômica familiar, o que poderia ferir o princípio da legalidade.
Tabela comparativa: BPC e isenção de IPI
Benefício | Natureza | Exige contribuição? | Pode ser acumulado com o outro? |
---|---|---|---|
Benefício de Prestação Continuada (BPC) | Assistencial | ❌ Não | ✅ Sim |
Isenção de IPI para PCD | Fiscal | ❌ Não | ✅ Sim |
Entendimento do STJ reforça a decisão
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia se posicionado em casos semelhantes. Segundo o STJ:
- A condução do veículo por terceiros não impede a concessão da isenção;
- A Receita não pode negar benefício com base em interpretações ampliativas ou subjetivas da lei;
- A isenção de IPI é um direito da pessoa com deficiência, independentemente de sua renda, desde que haja comprovação da origem dos recursos para a aquisição.
O que muda com essa decisão?
A decisão do TRF3 abre precedente relevante, sobretudo para:
1. Pessoas com deficiência que recebem o BPC
Agora têm base judicial sólida para solicitar a isenção de IPI, mesmo sendo beneficiários assistenciais.
2. Fiscais e servidores da Receita Federal
Devem rever critérios interpretativos, limitando-se à análise técnica e documental, sem extrapolações subjetivas sobre hipossuficiência.
3. Advogados e defensores públicos
Podem usar esse julgamento como fundamento em ações judiciais similares, fortalecendo o direito das pessoas com deficiência à mobilidade.
Como solicitar a isenção de IPI para quem recebe BPC?
O procedimento para solicitar a isenção continua o mesmo, mesmo para quem recebe o BPC:
Documentos exigidos:
- Laudo médico emitido por serviço público de saúde;
- Declaração de disponibilidade financeira (origem dos recursos);
- CNH especial ou declaração do condutor autorizado;
- Documentos pessoais e comprovante de residência;
- Requerimento específico disponível no site da Receita Federal.
Após reunir os documentos, o pedido é protocolado junto à Receita Federal via Portal e-CAC ou presencialmente.
Cuidados na hora de solicitar o benefício
- Tenha documentos que comprovem a origem dos recursos, especialmente se houver transferência de bens por familiares;
- Guarde todas as declarações assinadas que justifiquem a compra;
- Fique atento ao prazo de dois anos entre aquisições com isenção;
- Peça ajuda jurídica se o pedido for indeferido indevidamente.
Conclusão
A decisão do TRF3 representa um avanço na interpretação dos direitos das pessoas com deficiência. Ao reconhecer que a isenção de IPI para quem recebe BPC é legítima, o tribunal assegura o acesso à mobilidade e reforça a função social do Estado, especialmente no que diz respeito à proteção de grupos vulneráveis.
A jurisprudência caminha para uma visão mais inclusiva e técnica, separando corretamente os conceitos de assistência e tributação. Com isso, milhares de pessoas poderão exercer seu direito à isenção com mais segurança e menos barreiras burocráticas.