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Define limites e garantias na atividade dos cartórios extrajudiciais

Limites e garantias nos cartórios extrajudiciais: STJ

Os cartórios extrajudiciais passaram por uma transformação significativa nas últimas décadas. Antes conhecidos por longas filas, pilhas de papéis e carimbos, hoje operam com sistemas digitais, assinatura eletrônica e integração a bases de dados oficiais.

Apesar da modernização, sua função permanece a mesma: assegurar segurança jurídica aos atos da vida civil e patrimonial, desde o registro de nascimento até a compra e venda de imóveis.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao longo dos anos, vem consolidando uma jurisprudência que define limites e garantias na atividade cartorária, abordando temas como:

  • Direitos e deveres dos titulares.
  • Responsabilidade civil e tributária.
  • Natureza jurídica das serventias.
  • Regras para concursos de ingresso e remoção.

Este artigo traz um panorama das principais decisões do STJ que moldam a atuação dos cartórios extrajudiciais.


Cartórios não são empresas nem possuem personalidade jurídica

Uma dúvida recorrente é se o cartório pode ser equiparado a uma empresa ou a uma pessoa jurídica.

No REsp 1.097.995, a Terceira Turma do STJ esclareceu:

  • Os serviços notariais e registrais são públicos, mas executados em caráter privado por delegação.
  • O cartório é uma unidade administrativa sem personalidade jurídica própria e sem patrimônio próprio.
  • Por isso, não pode figurar como parte em processo judicial.

Segundo o relator, ministro Massami Uyeda (aposentado):

“A responsabilidade recai sobre o titular à época do ato lesivo. Se houver substituição do titular, o sucessor não assume a responsabilidade pelos atos praticados anteriormente.”

Essa decisão reforça que, juridicamente, o cartório não é uma empresa e o titular responde pessoalmente pelos danos decorrentes de sua gestão.


Responsabilidade pessoal do titular

O entendimento do STJ tem implicações diretas na responsabilização por atos ilícitos:

  • Somente o titular vigente no momento do fato pode ser responsabilizado.
  • O substituto ou sucessor não responde por dívidas ou danos causados pelo titular anterior.

Essa regra protege novos delegatários de herdar passivos indevidos, mas também reforça a necessidade de gestão diligente por parte do titular vigente.


Titulares não pagam contribuição para o salário-educação

Outro ponto importante definido pelo STJ é a não obrigatoriedade do pagamento da contribuição para o salário-educação pelos titulares de cartório.

No REsp 2.011.917, a Segunda Turma rejeitou o recurso da Fazenda Nacional, que argumentava que os titulares deveriam recolher a contribuição por terem empregados registrados.

A ministra Assusete Magalhães (aposentada) destacou que:

  • O Tema 362/STJ trata da contribuição por empresas, mas não se aplica aos cartórios.
  • O art. 15, parágrafo único, da Lei 8.212/1991, que equipara pessoas físicas a empresas para fins previdenciários, não se estende ao salário-educação.

Resultado: titulares de cartório, por serem pessoas físicas e não exercerem atividade empresarial, não são sujeitos passivos dessa contribuição.


Limites na atuação cartorária

As decisões do STJ também delimitam até onde vai a autonomia dos titulares. Alguns princípios se destacam:

  1. Publicidade e transparência — os cartórios, por exercerem função pública, devem prestar contas e permitir o acesso a informações relevantes, como receitas e despesas, quando exigido por lei.
  2. Imparcialidade — é vedada a prática de atos que configurem conflito de interesses, como a atuação em benefício próprio em registros que deveriam ser imparciais.
  3. Cumprimento estrito das normas — o descumprimento das leis de registros públicos e das regras fixadas pelas corregedorias pode gerar sanções disciplinares.

Garantias para titulares e usuários

Além dos limites, há também garantias asseguradas pelo regime jurídico dos cartórios extrajudiciais:

  • Garantia de independência técnica — o titular tem liberdade para aplicar a lei nos atos notariais e registrais, sem interferência indevida.
  • Estabilidade na delegação — a perda da delegação só ocorre por decisão judicial transitada em julgado ou por processo administrativo disciplinar com ampla defesa.
  • Direito à remuneração pelos emolumentos — fixados em lei estadual, garantem a sustentabilidade da atividade.
  • Proteção contra responsabilização indevida — como visto, o sucessor não responde pelos atos do titular anterior.

Para os usuários, as principais garantias são:

  • Segurança jurídica dos atos praticados.
  • Acesso igualitário ao serviço, sem discriminação.
  • Transparência nas cobranças de emolumentos.

Jurisprudência complementar do STJ sobre cartórios

O STJ possui outros precedentes que reforçam o entendimento sobre limites e garantias:

  • RMS 70.212 — divulgação de receitas e despesas de cartórios não fere privacidade.
  • RMS 69.678 — nulidade de nomeação de substituto feita por titular em situação irregular.
  • AREsp 1.858.938 — titular responde pessoalmente por débitos fiscais da serventia.

Essas decisões mostram que o tribunal adota uma postura de equilíbrio: exige transparência e responsabilidade, mas protege direitos e prerrogativas legítimas dos delegatários.


Impacto das decisões na prática

Para titulares de cartório

  • Necessidade de conhecer profundamente as normas legais e decisões judiciais.
  • Planejamento tributário adequado para evitar recolhimentos indevidos.
  • Gestão responsável, pois a responsabilidade pessoal é intransferível.

Para usuários dos serviços

  • Aumento da transparência e possibilidade de questionar cobranças ou práticas irregulares.
  • Maior segurança na validade dos atos, já que titulares são responsabilizados diretamente.

Quadro resumo

TemaProcessoDecisão
Natureza jurídicaREsp 1.097.995Cartórios não são empresas, não têm personalidade jurídica.
ResponsabilidadeREsp 1.097.995Apenas titular vigente responde por atos lesivos.
Salário-educaçãoREsp 2.011.917Titulares não são obrigados a recolher.
TransparênciaRMS 70.212Divulgação de receitas e despesas é legítima.

Conclusão

As decisões do STJ deixam claro que a atividade dos cartórios extrajudiciais está cercada por limites — como regras de transparência, proibição de nepotismo e observância de normas técnicas — e garantias — como independência técnica, estabilidade e proteção contra responsabilidade indevida.

Esse equilíbrio busca assegurar que, mesmo prestados por particulares, os serviços notariais e registrais mantenham sua função pública essencial: garantir a segurança e a confiança nos atos jurídicos que estruturam a vida civil e patrimonial no Brasil.

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