Quando um casal recebe um imóvel por meio de um programa habitacional, como o Minha Casa Minha Vida ou outros programas estaduais, uma dúvida frequente surge no momento do divórcio: esse imóvel precisa ser partilhado, mesmo estando em nome de apenas um dos cônjuges? A resposta, segundo recente decisão da Terceira Turma do STJ, é sim.
Neste artigo completo, você vai entender por que a Justiça entendeu que há direito à partilha de imóvel doado em programa habitacional, mesmo quando o imóvel foi registrado em nome de apenas um dos cônjuges, e como isso afeta casamentos sob o regime da comunhão parcial de bens.
Entenda o caso analisado pelo STJ
Resumo da situação
O caso chegou ao STJ após decisões contrárias em instâncias inferiores. Um casal, casado sob o regime de comunhão parcial de bens, recebeu um imóvel do governo do Tocantins por meio de um programa de regularização fundiária. O imóvel foi doado apenas em nome do marido, mas destinado à moradia da família.
Anos após a separação de fato, a mulher entrou com ação de divórcio e pediu a partilha do imóvel. O juiz de primeira instância, e posteriormente o TJ do Tocantins, entenderam que a doação gratuita tornava o imóvel incomunicável, ou seja, excluído da partilha. A mulher recorreu ao STJ.
Decisão do STJ: bem deve ser partilhado
A Terceira Turma do STJ, com voto da ministra Nancy Andrighi, reformou a decisão. O entendimento foi de que, mesmo que o imóvel tenha sido doado a um só cônjuge, deve ser partilhado igualmente se ele foi destinado à moradia da família e concedido com base na renda conjunta e número de dependentes do casal.
Por que o imóvel doado foi considerado bem comum?
A decisão do STJ considerou três pontos principais:
- Destinação familiar do imóvel: O bem foi utilizado como residência da família, elemento que reforça seu caráter comum.
- Esforço conjunto na obtenção do imóvel: A doação foi baseada em critérios como renda familiar e número de dependentes, demonstrando que a concessão considerou a família como unidade beneficiária.
- Interpretação conforme a Constituição: O direito à moradia é um direito social garantido pela Constituição (art. 6º), e o entendimento do STJ busca proteger esse direito com base em uma visão familiar e coletiva.
O que diz o Código Civil sobre bens incomunicáveis?
O artigo 1.659, inciso I, do Código Civil estabelece que são incomunicáveis:
“Os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar.”
Ou seja, via de regra, bens doados durante o casamento a apenas um dos cônjuges não entram na partilha. No entanto, o STJ tem flexibilizado esse entendimento quando há interesse familiar envolvido, como em imóveis doados em programas habitacionais sociais.
Programas habitacionais e a coletividade familiar
Os programas como o Minha Casa Minha Vida (hoje integrado ao Minha Casa, Minha Vida – Faixa 1 a 3) são voltados à família, com critérios baseados em:
- Composição familiar
- Número de filhos
- Renda familiar
- Situação de vulnerabilidade
Por isso, o STJ entende que, quando a concessão do imóvel leva em conta esses fatores, mesmo que o contrato seja assinado só por um cônjuge, o bem é, de fato, da família — e deve ser dividido.
Comparativo: Bem doado comum x bem doado incomunicável
Bem doado COMUM | Bem doado INCOMUNICÁVEL |
---|---|
Destinado à moradia da família | Doado exclusivamente a um cônjuge, sem vínculo com a família |
Concedido com base em renda e composição familiar | Concedido com base apenas em vínculo pessoal (ex: herança) |
Utilizado por ambos durante o casamento | Uso exclusivo de um cônjuge |
Proveniente de programa habitacional público ou social | Presente pessoal, herança ou doação sem vínculo com programas sociais |
Entra na partilha em caso de divórcio | Fica com o cônjuge que recebeu a doação |
E se o imóvel estiver apenas em nome de um cônjuge?
Mesmo que o contrato de doação ou escritura do imóvel esteja apenas em nome do marido ou da esposa, isso não é suficiente para excluir o outro da partilha. O STJ deixou claro que o que importa é a natureza da concessão e sua finalidade familiar.
Outros precedentes do STJ sobre o tema
A ministra Nancy Andrighi citou casos anteriores em que o STJ permitiu a partilha de bens públicos concedidos a apenas um dos cônjuges, como:
- Direito de uso de imóvel público
- Cessão gratuita de terreno para moradia
- Imóveis de programas estaduais ou federais habitacionais
Esses julgamentos demonstram que há uma tendência consolidada na jurisprudência do STJ para reconhecer o caráter comum desses bens, mesmo sob comunhão parcial.
Impacto dessa decisão para outros casais
A decisão tem efeito vinculante indireto, ou seja, serve como orientação para casos semelhantes em todo o país. Casais que receberam imóvel em programas habitacionais durante a união, mesmo com registro em nome de um só, podem ter direito à partilha do bem no divórcio.
Perguntas frequentes (FAQ)
Quem tem direito ao imóvel doado em programa habitacional após o divórcio?
Ambos os cônjuges, se o imóvel foi recebido durante o casamento para fins de moradia familiar, mesmo estando em nome de um só.
O regime de bens interfere?
Sim. Essa decisão é válida para comunhão parcial de bens. Em regimes como separação total, a análise pode ser diferente, exigindo comprovação de esforço comum.
E se o imóvel foi recebido antes do casamento?
Se a doação ocorreu antes do casamento, normalmente o bem é incomunicável, mesmo que tenha sido usado durante o casamento. Mas exceções podem ocorrer, dependendo do regime de bens e da origem da concessão.
Essa decisão vale para imóveis do Minha Casa Minha Vida?
Sim. A jurisprudência do STJ se aplica a imóveis de programas sociais como o Minha Casa Minha Vida, Casa Verde e Amarela, e outros programas de moradia assistencial do poder público.
E se o casal não era oficialmente casado?
Mesmo em uniões estáveis, é possível discutir a partilha do bem, desde que comprovado o esforço comum e o uso familiar do imóvel concedido.
Conclusão: imóvel doado pode ser partilhado, sim
A recente decisão da Terceira Turma do STJ consolida um entendimento muito importante: a partilha de imóvel doado em programa habitacional é válida quando o imóvel foi concedido com base em critérios familiares e destinado à residência do casal.
Mesmo que o imóvel esteja em nome de apenas um dos cônjuges, a finalidade da concessão e o esforço conjunto pesam mais que o simples registro do bem. Isso garante mais justiça, equilíbrio patrimonial e proteção ao direito à moradia.
Se você se encontra em situação semelhante e tem dúvidas sobre seus direitos, busque apoio jurídico especializado. O entendimento do STJ pode garantir a divisão justa de bens e evitar perdas em processos de divórcio.