A Seção Especializada (SE) do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) reafirmou entendimento relevante: a renúncia à herança como fraude à execução é reconhecida quando ocorre após a citação do devedor para pagamento de dívida. A decisão, proferida em fevereiro de 2025, consolidou a proteção dos credores trabalhistas em processos de execução.
O julgamento envolveu um processo de 2007, no qual um professor universitário buscava receber verbas trabalhistas não pagas por uma instituição de ensino superior. Como a empresa não quitou a dívida, seus sócios foram incluídos no polo passivo da execução.
Entenda o Caso: Renúncia Suspeita de Sócia para Evitar Penhora
Em 2 de março de 2012, o juízo determinou a inclusão das sócias da empresa no polo passivo da execução e ordenou a citação para pagamento do débito. Uma das sócias foi citada em 26 de março de 2012.
Durante diligências de cobrança, o Juízo da 19ª Vara do Trabalho de Curitiba constatou, por meio da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), que essa sócia estava envolvida em um inventário. Descobriu-se que, em março de 2013 — um ano após sua citação —, ela formalizou uma escritura pública de renúncia à herança em favor dos demais herdeiros.
O Juízo interpretou essa atitude como caracterizadora de fraude à execução, permitindo a penhora de dois imóveis pertencentes ao espólio da mãe da devedora para quitação do débito trabalhista.
Renúncia à Herança Após Citação e Fraude à Execução: O Que Diz a Lei?
A fraude à execução ocorre quando o devedor, ciente de que existe uma ação que pode comprometer seu patrimônio, pratica atos para esvaziá-lo, prejudicando seus credores. A renúncia à herança, feita após a ciência da ação, foi reconhecida como um desses atos fraudulentos.
O relator do caso, desembargador Archimedes Castro Campos Junior, fundamentou sua decisão no artigo 1.813 do Código Civil, que prevê:
“A renúncia à herança não prejudicará os credores do renunciante, aos quais é lícito pedir ao juiz que a autorize a aceitá-la em seu nome.”
Assim, ainda que o herdeiro formalize a renúncia, os credores podem atuar para receber seus créditos sobre a parte que lhe caberia.
Além disso, o entendimento foi reforçado com base no artigo 792, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que considera fraudulenta a alienação ou renúncia de bens após o início da demanda capaz de levar à insolvência do devedor.
Condições Para Reconhecer a Fraude à Execução
Para o reconhecimento da renúncia à herança como fraude à execução, é necessário verificar:
- Existência de uma ação judicial em andamento: Deve haver processo capaz de reduzir o devedor à insolvência;
- Citação válida do devedor: A ciência da dívida por meio da citação é essencial;
- Inexistência de outros bens suficientes: A falta de outros bens para penhora caracteriza o prejuízo aos credores;
- Má-fé do devedor: É presumida quando o ato é praticado após a citação e prejudica o credor.
No caso julgado, todos esses elementos estavam presentes, justificando a declaração de fraude à execução.
O Destino dos Bens Penhorados
A decisão determinou a penhora de dois imóveis pertencentes ao espólio da mãe da executada. O produto da venda dos imóveis será utilizado da seguinte forma:
- O valor necessário para a quitação do débito trabalhista será destinado ao credor;
- O excedente será devolvido aos demais herdeiros, respeitando suas quotas.
O procedimento deve respeitar o disposto no artigo 843, §2º do CPC, que proíbe a alienação por valor inferior ao da avaliação, caso isso prejudique os direitos de terceiros alheios à execução.
Impacto da Decisão para Credores e Herdeiros
A reafirmação de que a renúncia à herança como fraude à execução é inválida traz importantes consequências:
- Para os credores: Garante maior segurança e efetividade no recebimento dos créditos, mesmo em situações em que os devedores tentam se esquivar através de manobras jurídicas;
- Para os herdeiros: Serve como alerta de que atos como renúncia à herança, doação ou alienação de bens, após a citação em processos judiciais, podem ser desconsiderados se prejudicarem credores.
Em suma, o Tribunal reforçou a prevalência da boa-fé e da função social do patrimônio.
Jurisprudência e Tendência Atual
A decisão do TRT-9 acompanha uma tendência consolidada no Judiciário brasileiro, tanto na Justiça do Trabalho quanto na Justiça Comum. A jurisprudência recente tem reconhecido que atos praticados para frustrar a execução, mesmo aqueles aparentemente lícitos como a renúncia de direitos, podem ser declarados nulos quando prejudicam credores.
Diversos tribunais superiores já se manifestaram em sentido similar, protegendo o direito do credor e a efetividade da execução, princípios fundamentais no ordenamento jurídico.
Boas Práticas em Inventários e Execuções
Diante desse cenário, é recomendável que:
- Herdeiros: Antes de renunciar a uma herança, verifiquem a existência de ações judiciais em seu nome que possam ser afetadas pelo ato;
- Credores: Acompanhem atentamente processos de inventário envolvendo devedores e requeiram, se necessário, a reserva da quota-parte dos herdeiros devedores;
- Advogados: Atuem preventivamente, monitorando movimentações patrimoniais que possam configurar fraude à execução.
Conclusão
A decisão do TRT-9 reforça o entendimento de que a renúncia à herança como fraude à execução é inválida quando feita após a citação válida do devedor. Essa proteção busca impedir que credores sejam lesados por atos fraudulentos e preserva a integridade do processo de execução.
A jurisprudência deixa claro que, diante da existência de dívida e citação prévia, a herança do devedor pode ser atingida para satisfação do crédito, mesmo que tenha ocorrido formalmente a renúncia.
Esse importante precedente reafirma o compromisso do Judiciário com a efetividade da Justiça e com o respeito ao princípio da boa-fé objetiva, essencial nas relações jurídicas.
Fonte: TRT-9 (Processo referente ao ano de 2007)