A responsabilidade por dívida condominial entre comprador e vendedor de imóvel é um dos temas mais controversos no direito imobiliário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Segunda Seção, decidiu revisar o entendimento do Tema Repetitivo 886, que trata justamente de quem deve responder por débitos condominiais quando há uma promessa de compra e venda, mas a propriedade ainda não foi transferida oficialmente.
O novo julgamento, ainda em fase de análise, promete unificar entendimentos divergentes entre tribunais e esclarecer se a legitimidade passiva para cobrança é do promitente vendedor, do promitente comprador, ou de ambos.
Neste artigo, você vai entender:
- O que está em debate no STJ;
- O que diz a jurisprudência atual;
- Como funciona a dívida condominial e sua natureza propter rem;
- Quais são os efeitos da decisão repetitiva para compradores, vendedores, síndicos e advogados.
📌 O que está sendo julgado no STJ?
A Segunda Seção do STJ decidiu revisar a tese firmada no Tema Repetitivo 886, que tratava da legitimidade passiva em ações de cobrança de dívida condominial em situações onde o comprador já está na posse do imóvel, mas ainda não houve transferência formal da propriedade.
A nova discussão gira em torno da seguinte pergunta:
“Existe responsabilidade concorrente entre o promitente vendedor e o promitente comprador na cobrança de dívida condominial após a posse, mesmo que o condomínio não tenha ciência inequívoca da transação?”
🔍 O que é responsabilidade por dívida condominial?
A responsabilidade por dívida condominial diz respeito a quem deve pagar as cotas de condomínio vencidas em situações específicas, como:
- Venda do imóvel sem registro formal;
- Posse de fato pelo comprador;
- Contratos de gaveta;
- Compra com financiamento ainda em nome do vendedor.
Conceito de obrigação propter rem
A obrigação condominial tem natureza propter rem, ou seja, segue a coisa (o imóvel), e não necessariamente quem o ocupa. Por isso, o titular do direito real (normalmente, o proprietário registrado) responde pela dívida, independentemente de ter usufruído dos serviços prestados pelo condomínio.
⚖️ Tema Repetitivo 886: qual era o entendimento anterior?
O STJ havia firmado a seguinte tese no Tema 886:
“A legitimidade passiva para cobrança de cotas condominiais é exclusiva do promitente comprador, desde que esteja na posse do imóvel e que o condomínio tenha ciência inequívoca da transação.”
Esse entendimento buscava proteger o vendedor, desde que o condomínio tivesse sido comunicado da posse do comprador. Porém, novas decisões passaram a questionar essa limitação, especialmente diante da realidade prática do mercado imobiliário, em que a regularização pode demorar anos.
🔁 Por que o STJ decidiu revisar o tema?
A relatora, ministra Isabel Gallotti, indicou que há divergência entre as turmas do STJ e também nos tribunais estaduais, o que gera insegurança jurídica. Além disso, destacou que:
- A natureza propter rem da dívida condominial não depende da ciência do condomínio sobre a posse do comprador;
- É razoável entender que tanto o promitente vendedor quanto o comprador podem responder solidariamente pela dívida;
- Há precedente relevante do REsp 1.442.840, relatado pelo falecido ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que defende a teoria da dualidade do vínculo obrigacional: o vendedor responde como proprietário, e o comprador como possuidor.
🧾 Tabela comparativa: antes e depois da nova análise do STJ
Entendimento anterior (Tema 886) | Possível novo entendimento |
---|---|
Apenas o comprador responde, se o condomínio tiver sido notificado | Responsabilidade solidária entre vendedor e comprador |
Condomínio deve comprovar ciência inequívoca da transação | Responsabilidade pode existir mesmo sem notificação |
Vendedor é excluído se comprador está na posse | Vendedor permanece responsável enquanto não há registro |
👩⚖️ Quais recursos estão sendo analisados?
Os processos REsp 2.015.740 e REsp 2.100.395 foram selecionados como representativos da controvérsia. Ambos envolvem situações em que:
- O comprador já estava na posse do imóvel;
- O imóvel ainda estava em nome do vendedor no cartório;
- O condomínio moveu ação de cobrança e houve discussão sobre quem deveria figurar no polo passivo.
📘 Base legal relevante
Código Civil – Art. 1.345
“O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.”
Lei nº 4.591/1964 – Lei do Condomínio
Prevê que todos os condôminos respondem pelos encargos do imóvel, independentemente de uso ou fruição.
📈 Qual o impacto dessa decisão para o mercado?
A revisão do STJ sobre a responsabilidade por dívida condominial tem grandes implicações práticas, como:
Para compradores:
- Precisam se atentar à regularização do imóvel no cartório;
- Podem ser cobrados mesmo sem o imóvel estar formalmente em seu nome.
Para vendedores:
- Permanecem responsáveis pelas dívidas enquanto forem titulares no registro de imóveis;
- Mesmo que tenham deixado de usufruir do bem.
Para condomínios:
- Ganha mais segurança para cobrar débitos, podendo escolher entre comprador, vendedor ou ambos;
- Reduz a judicialização complexa para provar posse ou ciência.
🧠 Dúvidas frequentes sobre a dívida condominial
1. O vendedor pode ser cobrado mesmo após entregar o imóvel?
Sim, se continuar como titular do direito de propriedade, responde pela dívida.
2. O comprador pode ser cobrado mesmo sem escritura?
Sim, se estiver na posse e usufruindo dos serviços do condomínio, também pode ser responsabilizado.
3. A dívida condominial prescreve?
Sim, o prazo é de 5 anos, conforme o Código Civil (Art. 206, §5º, I).
4. O condomínio precisa provar que sabia da posse?
Pelo entendimento atual do STJ, essa exigência pode cair, com a tese da responsabilidade concorrente.
🧷 Qual a tendência da nova jurisprudência?
A tendência do STJ é reconhecer a legitimidade concorrente, ou seja, tanto o promitente vendedor quanto o comprador podem figurar no polo passivo da ação de cobrança. A dívida continua vinculada ao imóvel (propter rem), mas a posse de fato também gera vínculo obrigacional.
Isso trará maior clareza e efetividade nas ações de cobrança, além de evitar discussões prolongadas sobre notificações e ciência do condomínio.
🧾 Exemplo prático: como pode funcionar na prática
Imagine que João vende um apartamento a Maria por contrato particular. Maria passa a morar no imóvel, mas não transfere a escritura. Meses depois, o condomínio move uma ação por 6 meses de inadimplência.
Pelo entendimento antigo:
- João poderia se eximir se o condomínio soubesse da posse de Maria.
Com a nova tese:
- João continua responsável como proprietário;
- Maria pode ser incluída por estar na posse;
- O condomínio pode cobrar de ambos, aumentando a chance de recebimento.
📌 Conclusão: mais clareza e segurança para todos
A revisão do Tema Repetitivo 886 pelo STJ busca trazer uma visão mais realista e equilibrada sobre a responsabilidade por dívida condominial, considerando a natureza jurídica da obrigação e as relações de fato entre as partes.
Ao reconhecer a responsabilidade solidária entre comprador e vendedor, o tribunal fortalece o direito do condomínio, estimula a regularização dos imóveis e reduz a insegurança jurídica gerada por interpretações restritivas e contraditórias.