A prática de transferir bens para terceiros – especialmente filhos ou parentes próximos – com o objetivo de escapar de execuções judiciais é conhecida e frequentemente contestada nos tribunais. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reafirmou que a simulação de doação de bens para fraudar credores configura fraude e não pode ser desconstituída por meio de ação rescisória.
O caso analisado envolveu um empresário que, após doar imóveis comerciais aos filhos, tentou anular uma decisão judicial alegando “erro de fato”. A decisão foi negada de forma unânime pela SDI-2 (Subseção II Especializada em Dissídios Individuais) do TST.
Neste artigo, explicaremos os detalhes do caso, o que diz a jurisprudência e como a simulação de doação de bens para fraudar credores pode resultar em graves consequências jurídicas.
⚖️ O que é simulação de doação de bens?
A simulação de doação de bens para fraudar credores ocorre quando o devedor transfere imóveis, veículos ou outros patrimônios para familiares ou terceiros, de forma aparente, com o intuito de não cumprir obrigações financeiras ou judiciais.
Características típicas da simulação
- O doador mantém o uso e usufruto do bem;
- Não há pagamento de impostos de transmissão (como ITCMD);
- A transação é feita entre parentes próximos, com cláusulas de proteção (como impenhorabilidade);
- O bem continua vinculado à atividade do devedor (ex: sede da empresa).
📌 Caso julgado pelo TST: entenda os fatos
Origem da dívida trabalhista
O empresário havia sido condenado a pagar valores devidos a uma empregada que atuou entre 2010 e 2016. A empresa não pagou, e a execução foi redirecionada à pessoa física do empregador.
Doação simulada de imóveis
- Em 2015, o empresário doou dois imóveis comerciais aos filhos.
- Um dos imóveis estava com usufruto vitalício em nome do próprio pai e protegido por cláusulas contra penhora e herança.
- Os bens, na prática, continuaram na esfera patrimonial do devedor.
Reconhecimento da fraude
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região concluiu que a doação foi simulada para blindar o patrimônio e impedir a execução da dívida trabalhista. Por isso, os bens foram desconsiderados como transferidos e incluídos na execução.
🧾 Tabela comparativa: Simulação x Doação legítima
Simulação de doação | Doação legítima |
---|---|
Mantém-se o uso do bem pelo doador | O bem passa ao donatário, inclusive uso e posse |
Transferência sem intenção real | Intenção clara e efetiva de doar |
Finalidade de evitar execuções | Finalidade afetiva, sucessória ou filantrópica |
Pode ser anulada judicialmente | Gera efeitos jurídicos plenos |
❌ Por que a ação rescisória foi negada?
O empresário alegou que o TRT se baseou em um “erro de fato”, ao afirmar que havia 72 ações judiciais contra a empresa no momento da doação. No entanto, o relator, ministro Amaury Rodrigues, apontou que essa não foi a base da decisão.
Argumentos do TST:
- A fraude foi reconhecida com base em provas concretas, como o uso dos imóveis pela empresa mesmo após a doação;
- As ações judiciais mencionadas foram posteriores à doação e não influenciaram o entendimento do tribunal de origem;
- A ação rescisória não pode ser usada para rediscutir fatos e provas já analisados anteriormente.
🏛️ Fundamentos jurídicos para a decisão
A decisão do TST se amparou em dois fundamentos principais:
1. Fraude contra credores (Art. 158, II do Código Civil)
“São anuláveis os negócios jurídicos com a intenção de fraudar credores.”
A simulação de doação de bens para fraudar credores caracteriza esse tipo de ato, mesmo que formalmente documentado.
2. Limites da ação rescisória (Art. 966, §1º, CPC)
“A ação rescisória não pode ser utilizada para reexame de provas.”
No caso, a tentativa de anular a decisão baseou-se em fatos já julgados, o que inviabiliza o pedido.
👨⚖️ Consequências jurídicas para o devedor
A simulação de doação de bens para fraudar credores pode acarretar:
- Desconsideração da doação e inclusão do bem na execução;
- Anulação da escritura pública de doação;
- Responsabilização por má-fé;
- Indisponibilidade dos bens por decisão judicial;
- Perda da credibilidade junto ao Judiciário.
💬 Posicionamento da jurisprudência sobre simulações
O entendimento dos tribunais, inclusive o STJ e o STF, tem sido rigoroso com a fraude patrimonial. Em diversos casos, a simulação de doação de bens para fraudar credores tem sido reconhecida como tentativa de burlar o devido processo legal.
Citações importantes:
“A blindagem patrimonial com intenção fraudulenta não merece proteção do ordenamento jurídico.” — STJ, REsp 1.361.679/SP
“A existência de cláusulas que impedem a penhora revela indício de simulação.” — TST, SDI-2, ROT-1032390-24.2023.5.02.0000
🔐 Como se proteger de acusações de simulação?
Caso deseje fazer uma doação legítima, siga as boas práticas abaixo:
- Realize a doação com transparência e documentação completa;
- Registre publicamente a transferência, inclusive nos cartórios competentes;
- Evite cláusulas que limitem o uso, penhora ou alienação do bem;
- Aguarde períodos de estabilidade jurídica (ex: ausência de ações judiciais pendentes).
📈 Estatísticas: fraudes patrimoniais e execuções
- Segundo o CNJ, mais de 40% das execuções trabalhistas enfrentam dificuldades por esvaziamento patrimonial do devedor.
- Estudo do IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) mostra que 30% das doações registradas em cartório nos últimos 10 anos envolveram cláusulas que podem indicar blindagem.
🧠 Perguntas e respostas rápidas
É possível doar bens em meio a dívidas?
Sim, mas se for constatado que houve intenção de prejudicar credores, a doação pode ser anulada.
Usufruto vitalício anula a doação?
Não anula, mas pode ser indício de simulação, dependendo do contexto.
A cláusula de impenhorabilidade é ilegal?
Não, mas pode ser contestada se usada para fraudar execuções.
Qual o prazo para contestar uma doação fraudulenta?
O prazo é de quatro anos após a descoberta do ato simulado (Art. 178 do Código Civil).
📌 Conclusão: simulação não garante proteção patrimonial
A simulação de doação de bens para fraudar credores é uma estratégia arriscada e ineficaz diante da atual jurisprudência. O caso julgado pelo TST confirma que o Judiciário tem meios para identificar e anular transações fictícias, protegendo os direitos dos credores e garantindo a efetividade das execuções.
Doações devem ser legítimas, transparentes e desvinculadas de interesses ocultos. A tentativa de blindar patrimônio de forma irregular pode resultar não apenas na perda dos bens, mas também em sanções judiciais e reputacionais graves.