STJ confirma responsabilidade concorrente em cobranças condominiais
Em decisão relevante para o mercado imobiliário, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que o vendedor responde por dívida de condomínio mesmo após o comprador assumir a posse do imóvel, quando o contrato de compra e venda não estiver registrado em cartório. A decisão reforça o caráter propter rem das obrigações condominiais e estabelece um entendimento mais abrangente sobre a legitimidade passiva concorrente em ações de cobrança.
Neste artigo, você vai entender em profundidade a fundamentação jurídica da decisão, a diferença entre posse e propriedade no contexto da dívida condominial, o impacto da ausência de registro, e como essa jurisprudência pode afetar negócios imobiliários e disputas judiciais similares.
O que é obrigação propter rem?
A obrigação propter rem é aquela que decorre da titularidade de um direito real, ou seja, está vinculada ao bem, e não diretamente à pessoa.
No caso das taxas de condomínio, a obrigação de pagamento segue o imóvel, independentemente de quem o esteja utilizando. Isso significa que:
- O proprietário formal do imóvel pode ser cobrado, mesmo que não resida nem usufrua do bem.
- O possuidor direto (comprador com posse, mas sem registro) também pode ser responsabilizado.
Essa natureza da dívida explica por que o STJ reconheceu a possibilidade de legitimidade passiva concorrente entre vendedor e comprador.
O caso analisado pelo STJ
A ação teve origem na tentativa de um condomínio de cobrar débitos condominiais vencidos entre 1987 e 1996. O imóvel estava registrado em nome de uma companhia de habitação popular, mas desde 1985 já havia sido prometido a um casal, que tomou posse sem registrar o contrato em cartório.
A ação foi inicialmente julgada procedente, mas o condomínio teve dificuldades para executar a sentença e recorreu à penhora do imóvel, ainda em nome da companhia. A empresa proprietária apresentou embargos de terceiros, alegando que a dívida era de responsabilidade exclusiva dos compradores.
O caso chegou ao STJ, que precisou conciliar o entendimento firmado no Tema 886 com os princípios do direito real.
Tema 886: o que diz a tese repetitiva?
No Tema 886, o STJ fixou três teses sobre quem responde pela dívida condominial quando há promessa de compra e venda sem registro, com destaque para:
“Sendo provado que o condomínio tinha ciência da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.”
Contudo, a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso especial (REsp 1.910.280), alertou que esse entendimento deve ser interpretado com cautela, pois não considerou integralmente a natureza propter rem da obrigação.
Registro do contrato: fator determinante
A ausência de registro do contrato de compra e venda no cartório de imóveis é um ponto central. Sem o registro, o comprador não adquire a propriedade legal, apenas a posse. Logo:
- A titularidade do imóvel continua em nome do vendedor.
- O condomínio não é obrigado a reconhecer acordos privados não formalizados.
Esse cenário legitima a cobrança das dívidas tanto do possuidor de fato quanto do proprietário de direito.
Entendimento da Segunda Seção do STJ
A ministra relatora destacou que, embora os compradores estivessem na posse do imóvel e o condomínio tivesse ciência da transação, isso não afasta a responsabilidade do proprietário. O imóvel, como fonte do débito condominial, continua a vincular o titular do direito real à obrigação.
“A promessa de compra e venda não pode vincular o condomínio. A obrigação nasce com a titularidade do direito real, não sendo extinta por ato de vontade entre particulares.”
A Segunda Seção do STJ, portanto, confirmou a legitimidade passiva concorrente entre vendedor e comprador, ou seja, ambos podem ser responsabilizados pela dívida.
Tabela comparativa: Responsabilidade por dívida condominial
Situação do imóvel | Quem responde pela dívida condominial? |
---|---|
Posse com comprador + registro no cartório | Comprador (proprietário) |
Posse com comprador, sem registro | Vendedor e comprador (concorrente) |
Propriedade em nome do vendedor | Vendedor (se não há registro) |
Posse com vendedor | Vendedor |
Implicações práticas da decisão
Para compradores:
- A falta de registro do contrato pode deixá-lo exposto à cobrança de dívidas futuras não quitadas;
- Deve haver comunicação formal ao condomínio sobre a transação;
- Ideal é registrar o contrato o quanto antes para formalizar a titularidade.
Para vendedores:
- Mesmo após a imissão do comprador na posse, a responsabilidade pelas dívidas condominiais não é automaticamente extinta;
- Só há exoneração da responsabilidade com o registro da transferência da propriedade;
- É importante acompanhar a situação do imóvel mesmo após a venda.
Para condomínios:
- Podem acionar tanto o comprador quanto o vendedor para garantir o recebimento das quotas;
- O ideal é manter registro claro dos ocupantes e notificações formais.
Como evitar problemas com dívida condominial após a venda
Se você está vendendo ou comprando um imóvel, atente-se a estas boas práticas:
1. Formalize tudo em cartório
O registro da promessa de compra e venda é o único modo de garantir a transferência de propriedade perante terceiros.
2. Notifique o condomínio
Informe oficialmente o síndico ou a administradora sobre a negociação e a data da imissão na posse.
3. Inclua cláusula sobre responsabilidade de taxas
No contrato, especifique claramente quem será responsável pelas taxas de condomínio e a partir de quando.
4. Solicite certidões de débitos
Antes de concluir a venda, peça certidões negativas de débito condominial.
Jurisprudência reforça o caráter propter rem
Outros julgados do STJ também reforçam que a obrigação de pagar taxas condominiais segue o bem, não importando quem o possua de fato:
- REsp 1.439.163/SP – Reconheceu que o comprador não registrado pode ser responsabilizado.
- REsp 1.442.840/RS – Defendeu a dupla vinculação obrigacional: pessoal e real.
A tendência é de que o proprietário formal jamais esteja totalmente isento de responsabilidade, salvo com o devido registro.
Conclusão
A decisão da Segunda Seção do STJ no REsp 1.910.280 consolida um entendimento importante: o vendedor responde por dívida de condomínio mesmo após o comprador assumir a posse, quando não houver registro do contrato. A responsabilidade é concorrente, refletindo a natureza propter rem da obrigação condominial.
Esse posicionamento traz maior segurança jurídica ao mercado, orienta condutas mais cautelosas e alerta compradores e vendedores sobre a necessidade de formalização correta dos contratos imobiliários.