Entenda a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal que reconhece omissão legislativa e determina a criação de norma penal sobre retenção intencional de salários
O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão unânime que pode impactar profundamente as relações de trabalho no Brasil. Em julgamento encerrado no dia 23 de maio de 2025, a Corte reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não ter editado uma lei que tipifique como crime a retenção dolosa de salários. O STF deu ao Congresso o prazo de 180 dias para aprovar uma norma criminal que regulamente a matéria.
A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 82, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e reafirma a importância da proteção do salário como direito fundamental dos trabalhadores. Neste artigo, você entenderá os fundamentos jurídicos da decisão, suas implicações práticas e o que pode acontecer caso o Congresso não cumpra o prazo.
O que é retenção dolosa de salários?
A retenção dolosa de salários ocorre quando o empregador, de forma intencional, deixa de pagar total ou parcialmente os salários de seus empregados, mesmo tendo condições de fazê-lo. Trata-se de uma prática abusiva e que, segundo o artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal, deve ser considerada crime:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.”
Apesar da previsão constitucional expressa, nenhuma lei penal foi editada desde 1988 para tipificar essa conduta como crime, o que motivou a propositura da ADO 82.
Omissão inconstitucional do Congresso Nacional
A ação movida pela PGR alegou que o Congresso Nacional vem se omitindo de forma inconstitucional ao não regulamentar a criminalização da retenção dolosa de salários, conforme determinado pela Constituição há mais de 35 anos.
Segundo o relator do caso, ministro Dias Toffoli, a ausência de uma norma penal nesse sentido representa uma “inércia prolongada com repercussão social significativa”. Ele ressaltou que o salário é parte integrante do mínimo existencial dos trabalhadores e deve receber proteção jurídica adequada e eficaz.
STF reconhece o crime de retenção dolosa como lacuna legislativa
Ao analisar a ADO 82, o STF entendeu que há uma lacuna normativa inconstitucional. O Plenário reconheceu que o Poder Judiciário pode impor prazos ao Legislativo para a criação de normas que estejam expressamente previstas na Constituição, especialmente quando a omissão prejudica direitos fundamentais.
Essa posição já está consolidada na jurisprudência da Corte, e reforça que não há violação ao princípio da separação dos Poderes quando o STF atua para sanar uma omissão constitucional.
O que acontece se o Congresso não cumprir o prazo?
A decisão do STF estipula um prazo de 180 dias (seis meses) para que o Congresso Nacional elabore e aprove uma lei penal que tipifique a retenção dolosa de salários como crime. Caso o Congresso permaneça omisso, há algumas possibilidades:
- Judicialização da omissão continuada: o STF poderá ser acionado novamente para adotar medidas mais incisivas.
- Aplicação de medidas substitutivas: a Corte pode indicar parâmetros mínimos para a responsabilização penal, até que o Congresso edite a norma.
- Reforço do controle de constitucionalidade: o Judiciário poderá passar a aplicar entendimentos mais rígidos em casos de violação do direito ao salário.
Importância da decisão para os trabalhadores
A decisão tem enorme relevância prática. A retenção dolosa de salários é uma realidade vivida por muitos trabalhadores, especialmente em contextos de informalidade, terceirização ou empresas com má gestão financeira.
Ao reconhecer a omissão legislativa e dar prazo para a tipificação penal da conduta, o STF:
- Reafirma o caráter fundamental do direito ao salário.
- Dá efetividade ao artigo 7º da Constituição Federal.
- Abre caminho para responsabilização criminal de empregadores infratores.
- Protege o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana no âmbito trabalhista.
Qual deve ser o conteúdo da nova lei penal?
O Congresso Nacional agora terá o desafio de criar uma norma penal que:
- Tipifique a retenção dolosa de salários como crime específico.
- Estabeleça pena proporcional à gravidade do delito.
- Diferencie a conduta dolosa (intencional) da inadimplência por fatores externos ou força maior.
- Assegure garantias ao trabalhador e meios de prova eficazes.
A redação da lei exigirá um equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador e o respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência do empregador.
Repercussão na jurisprudência e no Direito do Trabalho
A decisão do STF também pode influenciar ações trabalhistas e ações civis públicas que envolvam o não pagamento de salários. Ainda que a tipificação penal dependa de norma futura, o reconhecimento da inconstitucionalidade da omissão fortalece os fundamentos jurídicos para:
- Aplicação de indenizações por dano moral coletivo.
- Maior rigor na execução trabalhista.
- Discussões sobre responsabilidade civil e penal subsidiária.
Contexto histórico: quase 40 anos de omissão
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o dispositivo que criminaliza a retenção dolosa de salários permaneceu sem regulamentação. O STF agora reconhece que essa espera é incompatível com a proteção dos direitos fundamentais e com o Estado Democrático de Direito.
A omissão legislativa em criminalizar condutas previstas como crime na Constituição é uma das formas mais graves de ineficácia normativa. A decisão da Corte suprema visa romper com esse ciclo de omissão e garantir efetividade à Constituição.
Conclusão: marco jurídico para a proteção do salário
A decisão do STF na ADO 82 representa um marco na defesa dos direitos dos trabalhadores. Ao determinar que o Congresso Nacional crie, em 180 dias, uma lei que tipifique o crime de retenção dolosa de salários, o Supremo reafirma seu papel na defesa da Constituição e na proteção do salário como um direito inviolável.
Mais do que uma decisão jurídica, trata-se de um posicionamento ético e social diante da precarização do trabalho e da negligência histórica em regulamentar direitos fundamentais.
Agora, cabe ao Congresso cumprir seu dever constitucional e aprovar uma norma que finalmente dê força de lei à proteção do salário contra práticas abusivas e dolosas.