A relação entre consumidores e construtoras nem sempre termina como o esperado. Em situações de distrato imobiliário, ou seja, quando o comprador desiste da aquisição de um imóvel, surgem dúvidas relevantes sobre a devolução de valores pagos — incluindo a chamada taxa de personalização.
Recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou uma decisão importante: a construtora pode reter a taxa de personalização no caso de distrato, desde que isso esteja previsto contratualmente. Esse entendimento reforça a segurança jurídica dos contratos e baliza o que é ou não exigível entre as partes.
Neste conteúdo, vamos analisar em profundidade o que é essa taxa, por que ela pode ser retida, os argumentos do Judiciário e o que muda para consumidores e construtoras.
O que é a taxa de personalização de imóvel?
A taxa de personalização é um valor cobrado pela construtora quando o comprador solicita modificações personalizadas na planta ou acabamentos do imóvel durante a fase de construção. Exemplos de personalizações incluem:
- Alteração no tipo de piso ou revestimento;
- Mudança na disposição de tomadas;
- Substituição de louças e metais;
- Mudanças na planta (por exemplo, integração de ambientes).
Esse serviço é adicional ao contrato de compra e venda e envolve custos operacionais, materiais e logísticos por parte da incorporadora. Por isso, há previsão contratual de que o valor investido não será devolvido em caso de distrato.
Resumo do caso analisado pelo STJ
Aspecto | Detalhes do caso |
---|---|
Situação | Pedido de distrato por inadimplência durante a pandemia |
Pedido inicial | Rescisão e devolução de 90% dos valores pagos |
Decisão de 1ª instância | Devolução de 75%, incluindo a taxa de personalização |
TJ-SP | Manteve a sentença, determinando a devolução integral da taxa |
Recurso ao STJ | Construtora contestou a devolução da taxa |
Decisão final | STJ autorizou a retenção da taxa de personalização |
Argumento central | Caráter personalíssimo e custos de reversão |
Entendimento do STJ: retenção é legítima
A ministra Isabel Gallotti, relatora da tese vencedora, destacou que a taxa de personalização tem natureza personalíssima e envolve serviços prestados conforme o gosto exclusivo do comprador. Portanto, em caso de distrato:
- A devolução da taxa não é obrigatória;
- A restituição implicaria enriquecimento sem causa do comprador;
- É razoável que a construtora fique com o valor para compensar custos e prejuízos.
A ministra ainda ressaltou que impedir a retenção viola princípios de razoabilidade e proporcionalidade, principalmente quando a cláusula foi acordada entre as partes.
O que diz a jurisprudência sobre retenção em distrato?
Nos últimos anos, o STJ tem consolidado entendimento no sentido de que, nos contratos de compra e venda de imóveis na planta, a rescisão imotivada por parte do comprador dá à construtora o direito de:
- Reter um percentual sobre os valores pagos (geralmente de 10% a 25%);
- Não devolver taxas efetivamente prestadas e contratualmente pactuadas, como a de personalização.
Esse entendimento equilibra a relação contratual e protege o investimento da incorporadora, especialmente em situações onde modificações personalizadas tornam a revenda mais difícil ou exigem nova reforma.
Comparativo: valores que podem ser retidos no distrato
Tipo de valor | Pode ser retido? | Justificativa |
---|---|---|
Sinal ou entrada | Parcialmente | Percentual de retenção (10% a 25%) é aceito pelo STJ |
Comissão de corretagem | Depende | Pode ser descontada se houver ciência e cláusula contratual |
Taxa de evolução de obra | Depende | Discutível em ações judiciais |
Taxa de personalização | Sim | Serviço prestado com natureza personalíssima |
Despesas administrativas e cartoriais | Parcialmente | Quando comprovadas e previstas em contrato |
O que é enriquecimento sem causa?
O princípio do enriquecimento sem causa está previsto no artigo 884 do Código Civil e afirma que ninguém pode enriquecer ilicitamente às custas de outro.
No caso analisado pelo STJ, a devolução da taxa de personalização seria considerada indevida, pois o comprador usufruiu de um serviço individualizado, que gerou custos para a incorporadora. Exigir o reembolso sem devolução das benfeitorias realizadas ou sem prejuízo efetivo à construtora seria considerado injusto e desequilibrado.
Como o consumidor pode se proteger?
Para o comprador, é essencial:
- Ler atentamente o contrato antes de assinar;
- Verificar cláusulas sobre personalização e sua devolução em caso de desistência;
- Solicitar esclarecimentos por escrito sobre valores cobrados e suas condições;
- Registrar todas as alterações solicitadas ao imóvel.
A transparência no contrato evita litígios e favorece uma resolução mais justa em caso de rescisão do negócio.
Impactos para o mercado imobiliário
Segundo especialistas do setor, como a advogada Jéssica Wiedtheuper, a decisão do STJ representa um marco positivo para a segurança jurídica do setor. Entre os principais impactos, destacam-se:
- Maior clareza sobre os limites da devolução no distrato;
- Incentivo ao cumprimento contratual por parte dos compradores;
- Redução de ações judiciais questionando a restituição de taxas específicas;
- Estímulo à personalização segura por parte das incorporadoras, sem medo de prejuízos em caso de rescisão.
Casos semelhantes: o que dizem outras decisões?
A jurisprudência vem se consolidando em defesa do equilíbrio contratual, especialmente no segmento de imóveis na planta. Em outras decisões, o STJ já reconheceu que:
- Cláusulas de retenção são válidas, desde que não abusivas;
- É legítimo reter valores relativos a melhorias solicitadas pelo comprador;
- O distrato deve preservar o interesse de ambas as partes.
Esse cenário fortalece o entendimento de que a taxa de personalização tem natureza indenizatória, sendo legalmente retida quando prevista.
Perguntas frequentes (FAQ)
A construtora pode reter a taxa de personalização mesmo sem cláusula específica?
Não. A legitimidade da retenção depende de cláusula contratual expressa. Sem isso, o comprador pode questionar judicialmente.
O valor da personalização pode ser cobrado antecipadamente?
Sim. É comum que o valor seja cobrado antes ou durante a execução das alterações, para cobrir custos diretos e evitar inadimplência.
E se a construtora não realizou as alterações pedidas?
Se a personalização não foi efetivamente realizada, não há justificativa para retenção da taxa. Nesse caso, o consumidor tem direito à devolução integral.
Posso desistir de uma personalização depois de solicitada?
Depende do estágio de execução. Se a personalização já foi iniciada ou concluída, a taxa geralmente não é reembolsável.
Essa decisão do STJ vale para todos os casos?
A decisão cria jurisprudência relevante, mas cada caso será analisado individualmente. Elementos como boa-fé, cláusulas contratuais e prestação efetiva do serviço são essenciais.
Conclusão: retenção da taxa de personalização é válida, mas deve estar no contrato
A decisão do STJ reafirma um princípio essencial do Direito Contratual: o respeito às cláusulas acordadas entre as partes. Ao reconhecer que a retenção da taxa de personalização no distrato é legítima, o Judiciário protege o investimento feito pela construtora e evita que o comprador, ao desistir do imóvel, seja beneficiado indevidamente.
Se você está pensando em adquirir um imóvel e deseja fazer personalizações, ou já passou por um processo de distrato, é fundamental estar atento ao que foi assinado. E, em caso de dúvidas, busque orientação jurídica especializada.